Por Gabriel Rocha
Na última quinta-feira (04/11) foi anunciada uma nova descoberta no sistema de cavernas Rising Star, na África do Sul. O local é responsável por fornecer os primeiros – e únicos, até então – fósseis da espécie hominínia Homo naledi, que viveu por volta de 335 e 236 mil anos atrás. A grande descoberta foi o primeiro crânio parcial de uma criança da espécie! O indivíduo teria entre 4 e 6 anos de idade e ganhou o apelido de Leti, baseado na palavra “letimela” da língua sul africana Tswana, que significa “O perdido”, isso porque seu pequeno crânio foi encontrado sozinho no fundo de um dos estreitos espaços da caverna. Além de nos contar um pouco sobre o desenvolvimento desses indivíduos, o local onde o crânio foi encontrado traz algumas inquietações sobre como esses fósseis chegaram até lá.
A equipe chefiada pelo Paleoantropólogo Prof. Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand na África do Sul, promoveu uma conferência no dia 04/11 para divulgar alguns resultados das expedições feitas entre 2017 e 2018 no sistema de cavernas Rising Star. A temporada ampliou a área conhecida da caverna e identificou novas regiões com a presença de fósseis. Foram divulgados dois artigos, publicados na revista de acesso livre “PaleoAnthropology”. Um dos trabalhos (Elliott et al. 2021) detalha a expedição e contextualiza as novas regiões mapeadas da caverna, enquanto o segundo (Brophy et al. 2021) traz a descrição completa dos fósseis encontrados em uma dessas novas regiões, o novo crânio da espécie.
Ao todo, quatro novas regiões contendo fósseis foram mapeadas. A análise preliminar do material identificou em três das quatro regiões: 35 fragmentos caracterizados como H. naledi e 6 fragmentos pertencentes a um babuíno (Papio sp.), todos ainda não formalmente descritos nem publicados. Na quarta região foram encontrados 28 fragmentos do crânio e 6 dentes que compõem o crânio parcial de Leti.
A partir da semelhança dos fragmentos encontrados na quarta região, os autores sugerem que os 34 fósseis são provenientes do mesmo indivíduo. O maior, é um fragmento do osso frontal (o osso da testa) que preserva parte da órbita do olho direito. Alguns ossos do neurocrânio e da face se conectam preservando as regiões da bregma (o topo da cabeça) e da glabella (região entre as duas sobrancelhas) enquanto outros são pequenos demais impedindo sua identificação. O material do neurocrânio dá algumas pistas sobre o desenvolvimento do cérebro nessa espécie. Por estar muito fragmentado, esse material não permite uma reconstrução segura do volume cerebral do indivíduo, no entanto, a curvatura de alguns fragmentos se assemelha a de outros indivíduos juvenis com o cérebro em torno de 450 e 650 cm³, como a criança de Taung (Australopithecus africanus). Se essa estimativa estiver correta, Leti teria cerca de 90% do seu crescimento cerebral já completo.
Como sabemos sua idade?
Partindo dos fragmentos cranianos, alguns elementos auxiliam nessa tarefa, é o caso de ossos mostrando que as suturas do crânio ainda não estavam fundidas. Porém os materiais mais eficientes para inferirmos sua idade são os dentes! No total foram encontrados seis dentes. Dois representam dentes decíduos ou dentes de leite! São os dois 2° molares superiores, direito e esquerdo. Os outros quatro fazem parte dos dentes permanentes e são dois incisivos e um pré-molar ainda se formando (sem marcas de desgaste), além de um molar começando a apontar na gengiva! Essas características reunidas corroboram a hipótese de uma criança entre 4 e 6 anos de idade.
Fósseis da nossa linhagem são conhecidamente raros, fósseis de crianças por serem menores e mais frágeis são ainda mais escassos, daí vem a importância do achado. Além de informações importantes sobre o desenvolvimento desses hominínios, o contexto em que o pequeno Leti foi encontrado alimenta um debate entusiasmado sobre a relação destes indivíduos com seus mortos. De acordo com o time de pesquisadores responsável pelas escavações, a ação de carnívoros ou carniceiros, o transporte fluvial e até mesmo a ação da gravidade, são agentes que não dão conta de explicar como os fósseis de Homo naledi foram parar nos diferentes pontos da caverna. Os autores propõem então, que os indivíduos da espécie estariam intencionalmente depositando seus mortos no local.
O novo crânio infantil provoca esse debate na medida em que foi encontrado isolado em um dos estreitos espaços da caverna e distante de outras localidades com fósseis. Não há outra espécie presente no local, todos os 34 ossos e dentes são consistentes com a hipótese de pertencerem todos a um mesmo indivíduo e só estão presentes ossos do crânio. Baseado nesses dados e nas ideias antigas sobre suas possíveis práticas mortuárias, o time propõe que o crânio (separadamente), foi depositado no local.
“Nós não conseguimos ver nenhuma outra razão para esse pequeno crânio infantil estar em uma posição perigosa e extremamente difícil de ser acessada… ele foi provavelmente colocado lá.”
Dr. Lee Berger, na conferência sobre Leti dia 04/11.
Notoriamente grande parte da comunidade paleoantropológica se mantém cética com relação a essa explicação para o acúmulo de fósseis, mas o time segue confiante e promete novos trabalhos que testem algumas hipóteses alternativas e que deem continuidade às pesquisas na caverna Rising Star.
Para ler os artigos originais:
- Brophy, J.K. et al. 2021. Immature Hominin Craniodental Remains From a New Locality in the Rising Star Cave System, South Africa. PaleoAnthropology 2021, 1, pp. 1-14.
- Elliott, M.C. et al. 2021. Expanded Explorations of the Dinaledi Subsystem, Rising Star Cave System, South Africa. PaleoAnthropology 2021, 1, pp. 15-22.
Anúncio do dia 04/11: “MEDIA CONFERENCE FOR LETI”
Para conhecer um pouco mais sobre o Homo naledi e outras espécies da nossa linhagem: Quem são os ancestrais dos seres humanos atuais? Um pequeno catálogo