A carta a seguir foi escrita e enviada ao site pelo historiador Marco Aurélio Valente:
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“Venho por meio desta carta buscar apoio e colaboração na elaboração de um projeto para a preservação da história do bairro de Sepetiba através de pesquisas arqueológicas. É sabido que na região do bairro Pedra de Guaratiba, bairro vizinho a Sepetiba, existem sítios arqueológicos. Mas em Sepetiba não há trabalho algum em andamento.
Sob o ponto de vista social e educacional, pelo descaso de séculos, a história de Sepetiba é negada aos seus moradores, como se os episódios ocorridos na região fossem propositalmente apagados.
Em 1818 foram construídos três fortes em Sepetiba, no extremo sul da cidade do Rio de Janeiro para resguardar a região, visto que no século XVIII havia sofrido com as invasões de corsários franceses. Foram eles:
O forte de São Pedro, foi erguido para defesa da praia de Sepetiba e das ilhas das Pescarias e do Tatú. Foi artilhado com oito canhões. Com a exploração da região e os aterros sucessivos, a posição perdeu importância, encontrando-se à época, em ruínas.
O forte São Paulo foi erguido em um morro pouco elevado formando duas reentrantes, uma com a praia do Piaí (atual praia de Sepetiba) e outra com a praia de Arapiranga (atual praia do cardo). Possuía 19 canhões que cruzavam fogo com o São Pedro e com o São Leopoldo. Desses 19 canhões, 12 eram de 12 libras e o restante era de 18 libras. Sua construção foi supervisionada pelo Tenente do Estado Maior José Antônio Alves. Existiam neste forte um paiol, um quartel e um armazém. Segundo o historiador Adler Homero (mestre em História e pesquisado do IPHAN), esse forte esteve no contexto da independência do Brasil e recebeu uma vista de D. Pedro I.
O forte São Leopoldo foi erguido na ponta de terra entre o ultimo trecho da praia do Piaí (atual praia de D. Luiza) e a praia do Arapiranga (atual praia do Cardo). Segundo Adler Homero se tratava de uma bateria de 15 metros do nível do mar, os parapeitos eram revestidos internamente de alvenaria, com algumas plataformas de canhões feitas em tijolo. Existiam 5 canhões sendo 4 de 12 libras e um de 18 libras.
No final do século XIX estes fortes perderam sua importância e estavam em ruínas. Durante o século XX, devido ao tipo de material usado para as construções, desapareceram restando pouquíssimos vestígios de sua existência. Até onde pude pesquisar seus canhões estão desaparecidos restando apenas três fotografias que registram o abandono desses artefatos.
Em Sepetiba existiu também um pequeno ancoradouro na ilha das Pescarias, atual ilha dos Marinheiros, próximo ao forte São Pedro onde D. João VI mandou construir uma ponte de 200 metros entre a ilha e o continente. Deste ancoradouro também restou muito pouco e ele esteve envolvido diretamente na segunda Revolta das Armadas, em 1893. Neste local, revoltosos marinheiros vindos de Santa Catarina desembarcaram e foram fuzilados. Segundo os comentários da época os fuzilados foram enterrados na própria ilha. Este episódio, que gerou várias histórias contadas por muito tempo pelos moradores, inclusive lendas fantasmagóricas, ainda está por desvendar. Segundo os relatos, foi exatamente na ilha que os enterraram e, por tanto, seus ossos ainda estão lá. Esta chacina de 21 marinheiros representa a primeira fase negra da história da nossa república onde o presidente Marechal Floriano Peixoto desrespeitou a Constituição e estabeleceu uma ditadura militar e, por isso, é preciso ser trazida a tona.
Encontrei no acervo digital da biblioteca do IBGE o Boletim da IV Assembleia Geral Instituto Pan Americano de Geografia e História, de novembro de 1945, na página 1.062, um comentário sobre tal acontecimento no contexto dos sambaquis da região de Sepetiba. Veja o trecho:
“Em estado rudimentaríssimo embora dever-se-ia a ação de uma idéia diretora na construção dos sambaquis Os sambaquis não é pois um monumento. Podia ter sido um cemitério eventual, a inumação nos sambaquis não passando de um fato meramente acidental, devido a influência de condições locais, que não permitiram a escolha de um melhor abrigo sepulcral, fora desses montículos. Nós Mesmos acabamos de citar o negro enterrado no sambaqui de Ponta Grossa. Quem sabe se os fuzilados em Sepetiba durante a revolta de 1893 não terão os corpos sepultados em algum casqueiro a beira mar? Os seus cadáveres irão complicar o problema etnológico brasileiro para investigadores de outros séculos. que se tenham esquecido do triste episódio da nossa revolução. E quando forem achados, quem sabe lá se alguns sábios não porão a explicar que os primeiros brancos chegados no Brasil também adquiriram hábito de construir sambaquis.”
Dentro da própria história da Revolta das Armadas não coube nos livros de história este episódio. Os alardes sobre a eminência de invasão dos rebeldes que viam do litoral sul ao quartel de Santa Cruz mudaram a pacata vida dos nativos da região de Sepetiba. O fuzilamento da Ilha das Pescarias serviu de inspiração para o romance de Coelho Neto, “O Morto, Memórias de um Fuzilado”.
Desta maneira muito informal peço ao senhor para analisar esta história e, quem sabe, uma visita extra oficial a estes locais. Ou, também verificar junto a Aeronáutica a respeito do forte São Pedro, visto que foi erguido em morro que pertence a esta força. Da mesma forma localizar as ossadas dos marinheiros enterrados na ilha do Marinheiros. Além destes casos é possível se saber mais sobre habitantes da região do período pré colombiano e colonial.
Como todos sabemos, a região de Sepetiba pertencia aos Tamoios, depois aos Jesuítas, à família Real. A partir de 1813 Sepetiba foi separada da fazenda Santa Cruz por decreto Real a fim de dar início ao desenvolvimento da agricultura e pescaria.”
Marco Aurélio Valente – Historiador