Onde estavam todas as mulheres na Pré-História?

Texto: Darren Curnoe

Haviam mulheres no período paleolítico? Se a cultura popular estivesse correta a resposta seria “não”. E até mesmo a própria arqueologia tem um longo caminho a percorrer para abordar um viés profundamente arraigado em relação aos homens.

A “Vênus de Willendorf” de aproximadamente 28 mil anos de idade é uma das mais antigas representações das mulheres na arte. Crédito da foto: Ziko van Dijk

É óbvio que sem as mulheres os Homo sapiens dificilmente estariam aqui hoje. Mas a nossa imaginação cultural do Paleolítico evoca imagens do “homem, o caçador” ou o “homem, o fazedor de instrumentos” porque é assim que a nossa evolução tem sido largamente retratada por cientistas e artistas (com algumas excepções notáveis).

Dê um Google  em “mulheres idade da pedra” (ou “stone age woman“) e veja o que aparece sob a aba de imagens. Fotos e mais fotos de mulheres com roupas esquisitas ou trajes de festa reveladores. Mas dê um Google em “homens idade da pedra” (ou “stone age men“) e veja a diferença. Bonitos desenhos e pinturas de cenas da vida cotidiana no Paleolítico, belos homens atléticos fazendo ou carregando armas, ou caçando animais selvagens, ou cuidando de fogueiras.

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Poster do filme “Um Milhão de anos antes de Cristo”, de 1966.

Para ter certeza, existem alguns exemplos famosos e recorrentes de mulheres das cavernas, como uma Rachel Welch pouco vestida no remake de 1966 de Um milhão de anos a.C.. Ou Wilma e Betty, de Os Flintstones. A propósito, ambos são queridos pelos criacionistas, confirmando que os seres humanos e dinossauros viviam lado a lado. Mas estes são mais um reflexo da fantasia masculina moderna e das noções de 1960 dos papéis do gênero do que são uma amostragem verdadeira da idade de pedra.

E pense por um minuto sobre aquelas grandes narrativas de história sobre a Idade da Pedra. Os cientistas involuntariamente perpetuam o preconceito masculino nessas histórias excessivamente simplistas. Os seres humanos inventaram instrumentos de pedra, começaram a caçar animais com eles, ou perseguiram-os com suas habilidades de corrida, e começaram a cozinhar e comê-los com fogo.

Como consequência, nós evoluímos nossos grandes cérebros, inventamos a cultura, e começamos a falar e fazer música e arte.

Mesmo o termo “caçadores-coletores” tem sido justamente criticado por arqueólogas e arqueólogos feministas que, nos anos 70 e 80, argumentaram que “coletores-caçadores” seria um nome mais apropriadamente dado, já que na maioria dos grupos as mulheres proporcionavam a maioria dos alimentos que sustentavam a todos.

Mas qualquer coisa disso importa? Claro que sim. Limitamos a compreensão do nosso passado coletivo quando tomamos uma abordagem estreita (tendenciosa) para investigá-la. E neste caso, estamos perdendo a metade da imagem!

Mas não é fácil chegar à questão dos papéis desempenhados pelos dois sexos ou como o gênero mesmo foi construído no passado. Isso exige que façamos perguntas básicas como “quem fez as pinturas rupestre?” Ou “quem caçou os animais?” Ou “quem fez os instrumentos de pedra?”. Pra falar a verdade, não temos ideia. Mas supor simplesmente que foram os homens com certeza não ajuda. Vamos dar uma rápida olhada em alguns exemplos onde as mulheres da pré-história ou suas atividades nos dizem algo sobre o nosso passado.

É bem sabido que na maioria dos grupos de caçadores-coletores as mulheres usavam pedras de moagem para processar alimentos. Pedras de moagem foram encontradas em Israel e datadas de pelo menos 12.000 anos atrás, associadas com fornos, sugerindo a rotina de fazer massa e assar de pão. Assim, as assinaturas do trabalho das mulheres mostram que fazer pão e assar, e mesmo comer grãos e trigo, datam de muito tempo atrás na pré-história.

Outro exemplo fabuloso é a arte. Por mais de 100 anos assumimos que os homens estavam por trás dos incríveis painéis de arte rupestre descobertos em lugares como a Caverna de Lascaux, na França, ou mais recentemente nas cavernas cársticas de Maros, em Sulawesi, na Indonésia. Presumivelmente, as mulheres estavam muito ocupadas cuidando das crianças para ter algum tempo para pintar?

Mas na caverna de El Castillo, na Espanha, algumas das pinturas, especificamente os estêncis de mãos, foram feitos provavelmente por mulheres. E estão entre as pinturas rupestres mais antigas do mundo, datando de pelo menos 41.000 anos atrás.

Cueva del Castillo, na Espanha, apresentando pinturas de grandes mamíferos e estêncis  de mãos humanas. Os mais antigos exemplares de estêncis possuem cerca de 41 mil anos de idade e alguns foram feitos por mulheres. Imagem: Gabinete de Prensa del Gobierno de Cantabria.

Ainda mais notáveis são as estatuetas conhecidas como “vênus” encontradas em várias cavernas da Europa Ocidental. A imagem do começo da matéria é a Vênus de Willendorf, uma pequena estátua de uma mulher encontrada na Áustria, e datado de cerca de 28.000 anos de idade. E abaixo está a Vênus de Hohl Fels Cave, do sul da Alemanha, com cerca de 35.000 anos de idade.

Ambos retratam mulheres em plena beleza voluptuosa. Seios exagerados, nádegas e vulvas, com grandes almofadas de gordura ao redor dos quadris, abdômen e coxas. Hoje nós as descreveríamos como sendo obesas. Mas no passado? Quem sabe. Uma forma de corpo que se aspirava possuir?

A Vênus de Hohl Fels’ Cave, do sul da Alemanhã, de pelo menos 35.000 anos de idade. Imagem: Thilo Parg.

Arqueólogos especularam sobre o que elas poderiam significar. Eram símbolos de reprodução, fertilidade e gravidez? Poderiam eles ter representado as mulheres ao longo de toda a sua vida adulta, com a feminilidade em vez de apenas a maternidade sendo honrada? Ou poderiam simplesmente ter sido os primeiros exemplos de pornografia?

Uma coisa é certa: elas lançam nossas noções modernas de beleza diretamente pela janela e nos fazem perceber que as idéias da imagem corporal feminina não são estáticas. Elas também nos ligam tangivelmente ao nosso passado, lembrando-nos que nossos antepassados eram muito como nós, afinal. E elas trazem para casa a verdade auto-evidente de que as mulheres desempenharam um papel importante em sociedades passadas e, claro, a nossa história evolutiva. Nós arqueólogos precisamos trabalhar muito mais para descobrir mais sobre esse papel, para além do óbvio reprodutivo ou econômico. Falhar em fazer isso é um grande desserviço.

Matéria original: Where were all the women in the Stone Age?

7 comentários

  1. Amei!!!! E gostaria de mais e mais textos sobre a mulher nessa época e sobre a relação homem/mulher desse período. Busco acreditar que era harmônica e horizontal, uma vez que entre os aminais, há um certo equilíbrio entre ambos e, em muitas espécies, é a fêmea que escolhe seu parceiro, tendo ele que se esmerar para conseguir a atenção de sua possível parceira.
    Sinto que a verticalização surgiu após a criação da agricultura e o surgimento das guerras por poder e posse, as quais poderiam ter causado uma transformação psíquico-afetiva nos homens, pois esses passaram a ter que usar de uma violência e agressividade não tão necessárias em tempos anteriores. Imersos nessa brutalidade constante, eles foram se enrijecendo, passando a ter um comportamento muito próximo ao vivido nas batalhas, com as suas companheiras.
    Me sinto atraída a estudar isso porque não acho que o machismo seja algo nascido de uma vocação violenta que o homem possui. Não acredito nisso. Acho que algo transformou seu comportamento a partir de condições externas e o fez se comportar, conosco, de forma bruta, muitas vezes violenta e outras tantas subjugantes.
    No princípio… era o equilíbrio… e é ele que devemos reencontrar!

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