Por: João Carlos Moreno de Sousa
“Os povos indígenas falam diversas línguas, algumas bastante diferentes umas das outras, e outras que possuem uma origem comum“, explica a Dra. Meliam Gaspar, que teve seu doutorado em arqueologia recentemente defendido pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, tendo feito um estágio sanduíche na Universidade de Leiden (Países Baixos).
“Essas línguas que se relacionam formam o que os linguistas chamam de ‘família linguística’, que é o caso do Karib: uma família linguística composta por quase 30 línguas relacionadas, como Wayana, Waiwai, Kari’na, Bakairi, entre outras“. Os grupos de língua Karib são conhecidos, hoje, no norte da América do Sul, como na Venezuela, Guianas e Suriname, e até mesmo na região do Estado de Roraima e norte do Pará, com alguns grupos ocupando até mesmo o médio Xingu no Mato Grosso. Toda essa região é abrangida atualmente pela floresta Amazônica. De acordo com Gaspar, os antepassados dos povos que falam essas línguas podem ter surgido na Amazônia por volta de 4.000 anos atrás, quando já deviam existir línguas de famílias mais antigas, como Tupi e Arawak.
Existem diferentes métodos de estudo dos grupos de língua Karib:
- A linguística estuda a relação entre as línguas da família Karib, para entender quais são mais próximas entre si, qual é mais antiga, quando e onde podem ter se originado.
- Na antropologia, as pesquisas são mais voltadas para entender quais características da cultura desses povos é compartilhada, além das línguas que são relacionadas, ou então o que é específico de cada povo, mesmo que falem línguas parecidas.
- As pesquisas arqueológicas procuram combinar aspectos dessas outras disciplinas, para que, a partir do estudo das características da cultura material, seja possível descobrir qual povo produziu aqueles objetos, e quando e onde tiveram sua origem.
Gaspar explica que, mesmo sendo arqueóloga, “como não podemos saber precisamente como os povos se identificavam no passado, procuramos ao menos saber que língua eles falavam, que indica quem seriam seus descendentes atualmente“.
Em sua pesquisa, Gaspar procurou entender se os povos que falam línguas Karib ainda hoje fazem cerâmicas num estilo parecido, para saber quais características desse estilo podem ser comparados com cerâmicas mais antigas que poderiam ter sido feitas pelos ancestrais desses povos. No entanto, essa não é uma relação tão simples. “Por isso não consegui definir um único estilo de cerâmica, mas sete estilos, cada um associado com povos diferentes”, explica Gaspar. Meliam Gaspar conseguiu definir os seguintes estilos cerâmicos para os grupos de línguas Karib:
- Estilo Waimiri Atroari
- Estilo Kari’na
- Estilo Katxuyana
- Estilo Waiwai
- Estilo Tiriyó
- Estilo Wayana/Aparai
- Estilo dos povos da região de circum-Roraima (Macuki, Akawaio e Patamona).
“Cada povo tem um jeito diferente de fazer cerâmica, que tem aparências distintas. Por exemplo, a argila pra fazer a cerâmica Kari’na é misturada com a casca queimada de uma árvore (o caraipé), e é pintada com um fundo em vermelho e desenhos em preto por cima. A cerâmica Waimiri Atroari também tem caraipé adicionado, mas é muito mais grossa e tem a superfície escurecida com fuligem, coberta com resina. A cerâmica Wayana/Aparai é feita com argila sem mais nada adicionado, e é pintada com as cores amarelo, preto, cinza e vermelho“, diz Gaspar. “Ainda há a possibilidade de que pesquisas mais detalhadas no futuro possam mostrar que esses estilos tem origens comuns, assim como as línguas faladas por seus produtores. Além disso, cada um desses povos também tem relações históricas com falantes de línguas não relacionadas, como da família Arawak, e isso pode ter influenciado os estilos que eles produzem atualmente“.
Na verdade, existem várias hipóteses de que alguns tipos de cerâmica da Amazônia foram feitos pelos antepassados dos atuais povos de línguas Karib, como o caso da cerâmica classificada como Inciso-Ponteado, datada por volta de 1.000 anos atrás. “Como os estilos atuais são bastante diferentes desses estilos mais antigos, acredito que é preciso fazer mais pesquisas para fazer essa conexão de maneira mais consistente. Uma alternativa é fazer essa relação com cerâmicas de um passado um pouco mais recente, que a gente possa comparar de maneira mais direta com as produções atuais, e então avançar essa relação para as cerâmicas cada vez mais antigas de maneira mais segura“.
Gaspar ainda explica que entender a relação entre cultura material e línguas é importante pra entendermos melhor quem eram os nossos antepassados, como se relacionavam entre si e com o meio ambiente, que mudanças aconteceram ou o que continua igual nos modos de vida ao longo do tempo. No caso dos grupos ameríndios brasileiros, “a cerâmica é o principal tipo de material encontrado em escavações arqueológicas e é o mais estudado como marcador cultural e cronológico de ocupações indígenas antigas, por isso é fundamental entender a relação entre língua e cerâmica, para relacionar também com vestígios de comida e ocupação da terra“, detalha Gaspar.
“Esses povos tem sido cada vez mais ameaçados pela sociedade nacional, pela invasão de terras em que habitam, destruição de recursos naturais que eles dependem para viver e de suas próprias vidas. Conhecer mais sobre esses povos e seus modos de vida é importante para que a sociedade brasileira valorize a diversidade de culturas em nosso país e aprenda outros modos de vida que oferecem alternativas a coisas que não estão indo tão bem em nossa sociedade, como nossa relação com o meio ambiente“.
A pesquisa da Dra. Meliam Gaspar só foi possível graças ao financiamento das agências de fomento à pesquisa nacionais, CAPES e CNPq. Sua tese está disponível na biblioteca digital da Universidade de São Paulo: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-12122019-155546/pt-br.php
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