Pesquisadores publicam artigo sobre o mais antigo enterramento humano da África

Por Enrico Baggio

Atenção: esta matéria, assim como o artigo, conta com imagens de um esqueleto humano proveniente do sepultamento escavado.

O sítio arqueológico Panga ya Saidi está localizado em uma caverna na costa da Quênia, no continente Africano. Esse sítio é muito famoso pelo seu registro arqueológico datado para um período entre 280 mil anos atrás e 50 mil e 25 mil anos atrás. Arqueólogos já fizeram importantes descobertas sobre a tecnologia e simbolismo pré-históricos nesse sítio e também destacam as suas excelentes condições de preservação.

Sítio arqueológico Panga ya Saidi, Quênia. Foto retirada do Instituo Max Planck. Foto por: Mohammad Javad Shoaee

Foi nesse sítio arqueológico que, em 2013, os pesquisadores identificaram uma pequena e antiga cavidade escavada nas camadas de terra da caverna. Os pesquisadores fizeram algumas análises e, em 2017, expandiram as escavações desse poço, retirando os sedimentos que haviam coberto a cavidade. As escavações revelaram, primeiro, uma forma um pouco circular do poço, alguns objetos de pedra lascada e a presença de alguns ossos fragmentados. Com a continuação da escavação e das análises, os pesquisadores conseguiram identificar o esqueleto como de um indivíduo humano. Mais especificamente, uma criança humana com em torno de 2,5 a 3 anos de idade. A datação do enterramento, feita em cima de sedimentos coletados ainda em 2013, revelou que o sepultamento ocorreu há mais ou menos 76 mil anos atrás, e um refinamento dessa data sugeriu uma data ainda mais antiga: 78 mil anos atrás, sendo o sepultamento mais antigo já encontrado no continente africano. A criança enterrada foi batizada de “Mtoto”, que significa “criança” em Suaili, língua falada em diversas regiões da África.

Imagem do fóssil humano do sítio arqueológico PYS. Imagem retirada do artigo.

Para confirmar que se tratava de um enterramento proposital, e não um corpo transportado até a caverna ou simplesmente colocado lá, os pesquisadores fizeram algumas análises tanto na preservação e estrutura dos esqueletos quanto na estrutura da cavidade onde o corpo foi colocado. Analisando a posição do corpo (colocado de forma inclinada, como em posição fetal), a preservação excepcional de muitos ossos do esqueleto e o delineamento bem marcado do poço escavado na terra, que tinha cor e textura diferente do sedimento do em torno, os pesquisadores concluíram que a cavidade foi de fato feita para a deposição do corpo. Ainda pensando na boa preservação do esqueleto, os pesquisadores também concluíram que, após o enterramento do corpo, ele foi rapidamente coberto com sedimento. Sobre a escavação e a importância da descoberta, a professora doutora Mercedes Okumura, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo, afirma: “Importante destacar que o trabalho de escavação e registro foi bem feito, muito minucioso e não deixa dúvida de que se trata de um sepultamento humano intencional. Qual o significado disso? Difícil saber exatamente qual foi a intenção ou ideia desse grupo, mas certamente evoca ideias de identidade, pertencimento de um individuo, ainda que de pouca idade, em relação a essa comunidade. Importante dizer que esse é o enterramento mais antigo humano da África, mas há evidências de sepultamentos (ou disposição intencional de corpos) mais antigos, relacionados ao Homo naledi – cerca de 15 indivíduos depositados em uma câmara subterrânea de uma caverna na África do Sul, datados em aproximadamente 250 mil anos.

Foi também por uma análise da preservação das partes do esqueleto que os pesquisadores concluíram que o corpo deve ter sido enterrado com algum material perecível, como um tecido, amarrando e prendendo a parte do tronco na posição que foi encontrada. Uma das análises que levou os pesquisadores a concluírem isso foi a diferença na preservação das articulações das partes superior e inferior do corpo, onde a primeira está bem mais preservada que a última.

Imagem das partes esqueletais encontradas (à esquerda, imagem A) e reconstrução virtual da visão frontal e de cima dos ossos como encontrados pelos arqueólogos (à direita, imagem B e C). Imagem retirada do artigo.

A descoberta de Panga ya Saidi é de grande importância para os estudos sobre a evolução do comportamento humano. A África é considerada pelos autores do artigo como um centro de emergência do comportamento humano, e a descoberta de Panga ya Saidi, ainda mais se considerada junto com outras evidências de sepultamento, como o da Caverna de Border, mostra que os humanos já estavam realizando essa prática na África em torno de 69 mil há 78 mil anos atrás. Como os próprios autores afirmam, essa nova evidência confirma a visão de que a evolução biológica e cultural humana se trata de um processo bem diverso e muito complexo.

Para ler o artigo original:

Martinón-Torres, M. et al (2021) Earliest known human burial in Africa. Nature, 593.

SOBRE O AUTOR DA MATÉRIA:

Enrico D. B. Di Gregorio é graduando em arqueologia e estagia fazendo pesquisas com Paleontologia no Laboratório de Paleontologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e com Arqueologia no Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. Faz parte da equipe do Arqueologia e Pré-história, atuando na redação de textos de divulgação científica.

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