Arqueologia na 34° Bienal de São Paulo, Brasil

As cerâmicas das mulheres tupiniquim e paulistas serão tema de um dos enunciados na 34ª Bienal de Arte de São Paulo, a maior exposição do Hemisfério Sul, estando entre os três principais eventos do circuito artístico internacional, junto à Bienal de Veneza e Documenta de Kassel. O evento, que na edição de 2018 recebeu em torno de 500 mil visitantes, contará este ano com a exposição de 8 vasilhas cerâmicas de diferentes museus de São Paulo, acompanhada por um texto que revela tanto a presença das Tupiniquim como autoras que empregaram sua cultura na cerâmica, como a persistência de uma “identidade cerâmica” que se constituiu pelas trocas em um movimento que liga temporalidades distintas, proposta pela curadoria de Jacopo Crivelli Visconti e equipa, a partir da pesquisa de Marianne Sallum (LEVOC-USP) e Francisco Silva Noelli (FCT), investigadores do UNIARQ.

34° Bienal de São Paulo

Com o tema “Faz Escuro Mas Eu Canto”, inspirado no poema de Thiago de Mello, a bienal reconhece a urgência de enfrentar os problemas atuais do Brasil, mostrando obras de artistas indígenas contemporâneos brasileiros e de artistas de outros lugares. Propõe a Arte como campo de resistência, ruptura e transformação, questionando quais são as formas de arte e presença no mundo que são agora possíveis e necessárias? E, pergunta: em tempos escuros, quais os cantos que não podemos seguir sem ouvir?

O evento buscará reconhecer o papel das populações indígenas como povos originários, ressaltando a riqueza e a forte herança cultural do povo Tupiniquim no estado de São Paulo. Segundo Jacopo Viscontti, curador da Bienal: “Estamos reunidos em território indígena, cabendo o reconhecimento ao povo Tupiniquim como os habitantes tradicionais dessa terra. Tal reconhecimento se estende às populações indígenas que por todo o território brasileiro lutam pelo pleno reconhecimento de seu direito de existência. É comum lermos nos livros de história sobre uma aliança estratégica formada entre parte dos Tupiniquim e os colonos portugueses no projeto de conquista do território que hoje constitui o Estado de São Paulo. Não longe daqui, o Monumento às Bandeiras simboliza essa união de diferentes identidiades num projeto de “desbravamento” do país. O que os livros de história não narram, e os blocos de granito não representam, são as formas como a violência colonial tem concatenado ao longo do tempo elementos retóricos e dispositivos institucionais para recalcar as marcas indígenas naquilo que hoje se reconhece como uma cultura paulista. Há toda uma estrutura, dos monumentos públicos a boa parte das aulas escolares e relatos populares, que retrata nossa identidade apagando essa memória.

Mas sempre há também forças trabalhando em direção contrária. Combinando precisão história, investigação arqueológica e reelaboração da memória, as pesquisas recentes de Mariane Sallum e Francisco Silva Noelli têm contribuído para suplantar ao menos um dos muitos hiatos criados pelo racismo contra os indígenas. Essas pesquisas mostram como a chamada Cerâmica Paulista, feita desde o século 16 até hoje, resulta da criação original de mulheres Tupiniquim que se valeram de um processo de intercâmbio de técnicas, repertórios e modelos com os colonizadores portugueses, como tática para a preservação de sua identidade. Ainda que à primeira vista os exemplares dessa cerâmica sejam muito distintos da produção tupiniquim pré-colonial, o olhar aproximado e comparativo de Sallum e Noelli revela a presença das Tupiniquim na seleção de matérias-primas, na composição da pasta cerâmica, na técnica do acordelado para levantar a parede das vasilhas, na temporalidade do processo construtivo e nos modos de tratar a superfície”

Vasilha Tupiniquim de São Paulo, acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP)

Sobre a importância da exposição na Bienal, Jacopo continua: “Apresentar na 34ª Bienal alguns exemplares da Cerâmica Paulista feitos em momentos diferentes é uma forma de materializar o reconhecimento da ancestralidade dessa terra que nunca foi cedida. É também uma maneira de sublinhar a importância do trabalho sobre a memória como uma forma de confrontar as afirmações vagas que convêm a quem deseja seguir sem freio com os processos de espoliação, destruição e exploração. É, ainda, uma lembrança de que as coisas são mais complexas do que parecem, e que muitas vezes elas contêm em si mesmas as pistas para a inversão de seu sentido. Junto às obras aqui reunidas, ao falar de resiliência e persistência, estas cerâmicas remetem ao conjunto que o visitante encontrou no início de sua visita à Bienal. No âmbito de uma mostra que tem como um de seus motes fundamentais o desejo de ampliar a leitura de qualquer obra de arte, a história da Cerâmica Paulista ajuda a complexificar nossa visão do presente. E a entender, quem sabe, as obras que o visitante voltará a ver daqui a pouco, percorrendo a exposição em sentido inverso.”

Acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP)

O texto de Jacopo, junto da importância do acervo mostrado na 34° Bienal de São Paulo, mostram a importância desse evento. A exposição de Arqueologia na 34° Bienal de São Paulo trata de uma apresentação profunda, marcante e rica de história, que deixa claro a importância histórica e atual e a riqueza e a complexidade cultural dos povos originários.

O evento será no pavilhão da bienal, no Parque do Ibirapuera, cidade de São Paulo. Para mais informações, o site do evento pode ser encontrado no link: http://34.bienal.org.br/exposicoes/7311

O importante trabalho de Marianne Sallum e Francisco Noelli também pode ser lido em artigos publicados pelos autores. Para saber mais, confira abaixo:

Sallum & Noelli. 2020. An Archaeology of Colonialism and the Persistence of Women Potters’ Practices in Brazil: From Tupiniquim to Paulistaware

Noelli & Sallum. 2019. A cerâmica paulista: cinco séculos de persistência de práticas tupiniquim em São Paulo e Paraná, Brasil

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