Uma das estátuas mais famosas provindas do mundo antigo greco-romano é a estátua chamada de “Gaulês Moribundo” (“The Dying Gaul” em Inglês), conhecida também como “Gaulês Capitolino” pois descansa hoje nas galerias do Museu Capitolino, em Roma. É conhecido na literatura, também, por o “Trompeteiro Moribundo” (“Dying Trumpeter”) pois entre suas pernas encontra-se um trompete quebrado.
A estátua foi descoberta em Roma nos inícios do século XVII de nossa era nos Jardins de Salústio (Horti Sallustiani), uma área da cidade que na antiguidade foi casa do historiador Salústio e depois do ditador Júlio César. Sabemos que nos anos seguintes a área permaneceu em mãos da família imperial: Vespasiano, Nerva e Aureliano são atestados em terem residido lá. A casa foi destruída em 410 EC por Alarico I, rei dos Visigodos e saqueador de Roma, e deixada ao esquecimento no século VI de nossa era. A estátua, como várias outras, foi re-descoberta na década de 1620 quando a família Ludovisi mandou construir lá uma vila. Como de costume, a estátua foi restaurada por Ippolito Buzzi que foi assistido pelo famoso escultor italiano Bernini.
Inicialmente, no século XIX, a figura foi identificada como um gladiador à beira da morte. Hipótese que foi logo contestada, pois observaram os claros atributos de “bárbaro” na estátua, listando alguns: o cabelo emaranhado, o volumoso bigode e o grande torque em seu pescoço. Características que, na iconografia da arte grega, apontam para um bárbaro do centro e do oeste da Europa – em oposição à um bárbaro do leste, como um persa, que seria identificado, por exemplo, usando calças (coisa que um “verdadeiro” grego nunca usaria).
A estátua de mármore que hoje podemos refletir sobre é uma cópia de um bronze helenístico que pertencia ao monumento chamado “Grande Monumento” em Pérgamo, na Asia Menor, que foi erguido por Átalo I após sua vitória sobre os Gálatas – tribo celta. Junto com o Gaulês Moribundo, havia outro grupos de estátuas, como o também bastante conhecido “Gaulês Suicida Matando sua Esposa” (Encontrado no mesmo local em Roma, também chamado de ‘Grupo Ludovisi’). No Gaulês Moribundo, vemos a derrota nobre e digna do chefe dos Gálatas. Em seu corpo, abaixo das costelas, observamos um corte com sangue pingando sobre sua pele nua e suas armas e escudo já estão quebrados em baixo de seu corpo. A ferida física e a derrota de seus exércitos não abalam sua feição. O sofrimento, tanto físico quando moral, portanto, é expresso pelo olhar impassível e decidido.
Característico da arte estatuária helenística, portanto, é a expressão do sofrimento físico não por caretas e expressões faciais exageradas ou olhos cheios de lágrimas, mas sim pela dignidade na derrota e a nobreza da consciência do fim da vida. Os artistas e os artesãos do rei Átalo I, na tentativa de engrandecer sua própria vitória militar, engrandeceram seus inimigos.
Para saber mais:
Cunliffe, B. 2018. The Ancient Celts. 2ª Edição. Oxford: Oxford University Press.
Howard, S. 1983. “The Dying Gaul, Aigina Warriors, and Pergamene Academicism.” AJA 87: 483-87. (Disponível Online)
Marvin, M. 2002. “The Ludovisi Barbarians: The Grand Manner.” In Memoirs of the American Academy in Rome. Supplementary Volumes, 1, 205–223. (Disponível Online)
Queyrel, F. 2012. “La représentation de la douleur dans la sculpture hellénistique.” In Pallas 88: 133-146. (Disponível Online)
Queyrel, F. 2016. La Sculpture Hellénistique. Tome 1: Formes, Themes et Fonctions. Paris: Picard. (Especialmente páginas: 52-56 e 193-233)
Ridgway, B. 1990. Hellenistic Sculpture, I, The Styles of ca. 331-200 B. C. Madison: The University of Wisconsin University Press. (Especialmente páginas: 275-290)