Datações de Urânio-Tório revelam origem Neandertal de artes rupestres na Espanha

Datações feitas através do método Urânio-Tório (U-Th) mostraram que pinturas rupestres de três diferentes sítios na Espanha podem ter mais de 64 mil anos. Considerando que, segundo as evidências que temos hoje, o Homo sapiens sapiens tenha chegado à Europa por volta de 40 a 45 mil anos A.P., isso indicaria que essas pinturas possam ter sido feitas por Neandertais.

O método Urânio-Tório não data os pigmentos das pinturas, e sim as crostas de calcita que se formam através do tempo por cima das pinturas e as crostas de calcita já existentes por baixo das pinturas. Com as datações das crostas formadas acima da pintura, é possível obter uma datação mínima, e as datações das crostas abaixo da pintura fornecem uma datação máxima. Esse método foi aplicado a pinturas de três cavernas na Espanha: La Pasiega (Cantabria), Maltravieso (Extremadura) e Ardales (ou Doña Trinidad; Andaluzia).

La Pasiega faz parte do complexo de arte rupestre Monte Castillo, considerado Patrimônio Mundial da Humanidade, que também inclui as cavernas El Castillo, Las Chimeneas e Las Monedas. Juntas, essas cavernas mostram uma ocupação humana contínua ao longo de 100 mil anos. Em La Pasiega, a arte rupestre é constituída, sobretudo, por pinturas em preto e vermelho, incluindo grupos de animais, formas lineares e claviformes, pontos e possíveis antropomorfos. Maltravieso foi usada de forma episódica por grupos humanos durante 180 mil anos. Ela apresenta um conjunto importante de cerca de 60 mãos em negativo vermelhas, além de desenhos geométricos, como pontos e triângulos, e figuras gravadas e pintadas. Já Ardales foi ocupada entre o Paleolítico Médio (250 mil a 50 mil anos A.P.) e o Superior (50 mil a 12 mil anos A.P.). Ela apresenta mais de mil pinturas e gravuras de variadas formas, incluindo mãos em negativo e positivo. É possível observar muitos pontos, discos, linhas e outras formas geométricas, além de representações figurativas de animais, como cavalos, cervos e pássaros.

Os pesquisadores obtiveram datações U-Th para 53 amostras obtidas a partir de 25 crostas de calcita estratigraficamente relacionadas a pinturas dessas cavernas. Em La Pasiega, a datação mínima foi de 64,8 mil anos A.P. para uma pintura escalariforme em vermelho.

Figura 1: Pintura rupestre escalariforme vermelha em La Pasiega. Datação mínima da crosta de calcita associada: 64,8 mil anos A.P.

Em Maltravieso, a datação mais antiga foi de 66,7 mil anos A.P. para a pintura de uma mão em negativo.

Figura 2: Mão em Negativo em Maltravieso (Idade Mínima: 66,7 mil anos A.P.).     Foto original à esquerda. Mesma foto após a aplicação do software DStretch à direita.

Em Ardales, foram datadas camadas de cinco crostas de calcita de três áreas da caverna com pinturas em vermelho. Em três casos, foi possível datar amostras de crostas logo abaixo do pigmento e logo acima, resultando nas seguintes datações mínimas e máximas: 48,7 e 45,3 mil anos A.P; 45,5 e 38,6 mil anos A.P.; e 63,7 e 32,1 mil anos A.P. Nos outros dois casos, foi possível datar apenas as idades mínimas: 65,5 mil anos A.P. e 45,9 mil anos A.P.

Figura 3: Área da caverna em Ardales pintada em vermelho com datação mínima de 65,5 mil anos A.P. O retângulo branco marca a área mostrada à direita. O quadrado preto indica onde foi feita a amostragem da crosta de calcita.

Datações feitas nas três cavernas mostram que a arte rupestre estava sendo feita pelo menos 20 mil anos antes da chegada dos seres humanos modernos na Europa, quando a região ainda era habitada apenas por Neandertais, o que implica dizer que eles foram os artistas. Todas as pinturas com datações mais antigas, atribuídas aos Neandertais, foram feitas com pigmentos vermelhos. Elas incluem pontos, linhas, discos e mãos em negativo. Diferente das mãos em positivo, as mãos em negativo não podem ter sido feitas por acidente. Elas exigem uma fonte de luz, além de uma preparação e seleção prévias de pigmentos, o que são evidências de uma criação premeditada. Como grande parte das mãos em negativo parecem ter sido colocadas propositalmente em determinados locais de acordo com características naturais das cavernas, e não feitas em lugares aleatórios da superfície, o mais provável é que sejam símbolos significativos localizados em lugares significativos.

Essa atividade de pintura rupestre constitui um comportamento simbólico por definição e que estava profundamente enraizado. Em Ardales, episódios distintos ao longo de mais de 25 mil anos mostram que estamos diante de uma tradição de longa duração. Artes rupestres parecidas com as encontradas nessas três cavernas podem ser observadas em outras cavernas da Europa Ocidental e também podem ter origem Neandertal. Essa pesquisa abre portas para que, através de novas datações, a arte Neandertal possa vir a ser revelada em outras áreas da Europa.

Para saber mais:

Hoffman e colaboradores. 2018. U-Th dating of carbonate crusts reveals Neandertal origin of Iberian cave art | Science.

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