Simpósio Paisagens do Movimento
Uma Reflexão Interdisciplinar Sobre a Pluralidade e os Significados das Paisagens
O simpósio será realizado de 10 a 12 de dezembro, sob a Coordenação das Professoras Dra. Fabíola Andréa Silva e Dra. Marta Amoroso, será realizado no no Anfiteatro do Departamento de Geografia, FFLCH, USP. Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária, São Paulo.
PROPOSTA: As paisagens são investigadas a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas e, consequentemente, o seu entendimento torna-se multifacetado. Na literatura o próprio termo paisagem tem recebido as mais diversas adjetivações (p.ex. natural, cultural, tradicional, simbólica, sagrada, cósmica, econômica, política, social, contingente, etc). Neste seminário partimos do pressuposto de que as paisagens são plurais e estão permanentemente em transformação, constituindo o movimento da vida. Ou seja, que as paisagens do movimento (espacial, temporal, cósmico) são parte integral das práticas sociais a partir das quais diferentes tipos de pessoas se posicionam e experimentam o mundo. Os diferentes estudos de caso revelam esta multiplicidade de perspectivas sobre as paisagens e nos possibilitam compreender como elas são apreendidas e experienciadas pelas pessoas, em diferentes contextos.
PROGRAMA
10/12/2013 (manhã)
09:30h – Apresentação
10:00h – 10:30h Adriana Schmidt Dias (LET/UFRGS) e Lucas Bueno (LEIA/UFSC)
10:30h – 11:00h Lucas Bueno (LEIA/UFSC)
11:00h – 12:00h Debate
10/12/2013 (tarde)
14:00h – 14:30h Danilo Paiva Ramos (CEstA/PPGAS/USP)
14:30h – 15:00h Uirá Garcia (CEstA/Antropologia/UNICAMP)
15:00h – 15:30h Márcia Arcuri (LINTT/MAE/USP e UFOP) Rui Murrieta (LEEH-IB/USP)
Ignácio Alva (Projeto Arqueológico Huaca Ventarrón – Collud Zarpán)
15:30h – 16:30h Debate
16:45h às 18:00h Palestra James McCabe (University of Colorado/ Boulder)
11/12/2013 (manhã)
09:30h – 10:00h Marta Amoroso (CEstA/Antropologia/USP)
10:00h – 10:30h Juliana Machado (LINTT/USP/LEIA/UFSC) Lucas Bond Reis (LEIA/UFSC)
10:30h – 11:00h Milena Acha (LINTT/PPGAS/MAE/USP)
11:00h – 12:00h Debate
11/12/2013 (tarde)
14:00h – 14:30h Gilton Mendes dos Santos (NEAI /Antropologia/UFAM)
14:30h – 15:00h Joana Cabral de Oliveira (CEstA/USP)
15:00h – 15:30h Priscila Matta (CEstA/PPGAS/USP)
15:30h – 16:30h Debate
16:45h às 18:00h Palestra Laure Emperaire (IRD)
12/12/2013 (manhã)
09:00h – 09:30h Lorena Garcia (LINTT/PPGAS/MAE/USP)
09:30h – 10:00h Fabiana Maizza (DA/CEstA/USP)
10:00h – 10:30h Fabíola Andréa Silva (LINTT/MAE/USP e CEstA)
10:30h – 11:00h Debate
11:00h – 12:00h Palestra James McCabe (University of Colorado/ Boulder)
RESUMOS
CONSTRUINDO HISTÓRIAS DE TERRITÓRIOS: O PLANALTO CENTRAL BRASILEIRO NO CONTEXTO DO POVOAMENTO INICIAL DA AMÉRICA
Lucas Bueno (LEIA/UFSC E LINTT/MAE/USP)
Baseado em trabalhos anteriores relacionados ao processo de entrada e ocupação das terras baixas sul-americanas levantamos a hipótese de que as principais bacias hidrográficas do Brasil desempenharam um papel fundamental no processo inicial de ocupação dessa região, atuando tanto como marcos e referenciais de uma paisagem inabitada que precisava ser conhecida, reconhecida e incorporada, quanto como eixo de conexão entre áreas espacialmente distantes entre si. Esse processo enfrentou, ao longo do Holoceno Inicial, dois momentos distintos, relacionados com conhecimento, interação e estratégias de ocupação regionais. Nesta apresentação vamos nos ater ao “segundo momento” e à discussão de uma possível conexão entre as diferentes rotas de povoamento inicial das terras baixas sul-americanas, explorando o contexto arqueológico do Planalto Central e, em especial, a região de Lagoa Santa no Holoceno Inicial.
Cosmografia e movimento nas estruturas ameríndias: Uma reflexão interdisciplinar sobre os processos de complexificação social na Amazônia e nos Andes
Márcia Arcuri (LINTT/MAE/USP e UFOP)
Rui Murrieta (LEEH-IB/USP)
Ignácio Alva (Projeto Arqueológico Huaca Ventarrón – Collud Zarpán
Esta comunicação problematiza as fronteiras estabelecidas pelas pesquisas arqueológicas e etnográficas das regiões andina e amazônica, a partir de dados coletados em distintos contextos dos paralelos latitudinais 5°S e 8°S do continente sul-americano. Serão apresentadas evidências da cosmografia impressa em artefatos e na paisagem ritual de sítios arqueológicos distantes no tempo e no espaço, com o objetivo de promover aproximações (usualmente consideradas “antagônicas”) entre as reflexões teóricas da Arqueologia, da Antropologia Cultural e da Ecologia Humana. A discussão volta-se ao debate sobre as “origens” e a natureza da complexificação social ameríndia e sua articulação com a paisagem socioecológica. Os dados serão observados pela perspectiva complementar das noções de mobilidade e espacialidade, material e intangível, a partir de metodologias adequadas aos estudos de semântica visual e dos fundamentos teóricos da arqueologia estrutural e antropologia da paisagem. A ênfase será dada à articulação temporal entre os planos horizontais e sistemas socioecológicos abertos da paisagem Amazônica e a evolução da síntese sócio-política andina que incorpora e integra as descontinuidades do “arquipelogo vertical” – costa, altiplano e selva – e sua geografia circunscrita semi-aberta.
Título: O MOVIMENTO NAS PAISAGENS. OS DIFERENTES MODOS DE CONHECER A ESPACIALIDADE DOS ASURINI DO XINGU.
Fabíola Andréa Silva (LINTT/MAE/USP e CEstA)
Durante os vários anos de pesquisa entre os Asurini do Xingu pude observar diferentes aspectos relacionados com a sua espacialidade. Neste trabalho pretendo demonstrar como a pesquisa em diferentes contextos espaciais (intra aldeia e extra aldeia) me possibilitou apreender distintas paisagens e lugares ao longo do tempo e, consequentemente, distintos aspectos da vida deste povo amazônico. Trata-se de uma reflexão sobre os nossos distintos olhares sobre as paisagens durante a pesquisa de campo (arqueológica/antropológica).
DISCUTINDO OS MODELOS DE COLONIZAÇÃO INICIAL DAS TERRAS BAIXAS SUL AMERICANAS A PARTIR DO CONTEXTO BRASILEIRO
Adriana Schmidt Dias (LINTT/MAE/USP e LET/UFRGS)
Lucas Bueno (LINTT/MAE/USP e LEIA/UFSC)
Entre 12.000 e 8.000 anos AP a porção leste da América do Sul encontrava-se ocupada por uma população estável de caçadores coletores, caracterizada por diversificadas estratégias de adaptação aos processos de transformação das paisagens Holocênicas. O predomínio de sistemas de subsistência generalistas e a grande variabilidade de estilos regionais das indústrias líticas para este período evidenciam os limites dos modelos clássicos sobre o povoamento da América para a compreensão dos processos de colonização inicial desta região. Em termos cronológicos, há cada vez mais evidências que apontam para uma ocupação das diversas regiões do Brasil já em fins do Pleistoceno e início do Holoceno, com datas anteriores ou ao menos contemporâneas ao Horizonte Clóvis na América do Norte. Por outro lado, a diversidade de estratégias adaptativas que têm sido apontada por recentes pesquisas arqueológicas, bio-antropológicas e paleoambientais no contexto brasileiro sugerem que os processos de colonização inicial das Terras Baixas Sul Americanas comportaram variadas estratégias de ocupação e deslocamento, incluindo distintas rotas fluviais de interiorização relacionadas à exploração de ambientes florestais e savanas o que demanda uma ocupação mais antiga do que o suposto pelos modelos tradicionais.
CAMINHOS E PARADAS: PERSPECTIVAS SOBRE MOBILIDADE XOKLENG/LAKLÃNÕ
Juliana Salles Machado (LINTT/MAE/USP e LEIA/UFSC)
Lucas Bond Reis (LEIA/UFSC)
Padrões de mobilidade e permanência sempre foram temas caros à literatura antropológica e arqueológica relacionados à rupturas significativas na maneira como compreendemos as formas de organização social de populações indígenas atuais e pretéritas. Neste trabalho gostaríamos de refletir sobre as consequencias destes conceitos na tentativa de flexibilizar o dualismo que eles acarretam. A literatura sobre mobilidade e assentamento, de maneira geral e mais particularmente para o contexto Xokleng/Laklãnõ, será pensada a partir de dados preliminares de uma pesquisa arqueológica colaborativa em andamento entre esta população no estado de Santa Catarina. Buscamos a partir de informações orais e dados históricos, enfatizar os seguintes aspectos: o intenso conhecimento do território, a prática de manejo e coleta de plantas e as estratégias sociais de agrupamento ou dispersão de pessoas. Tais questões nos levam a pensar sobre a percepção do tempo e do espaço, as concepções sobre a relação entre plantas e pessoas e a composição dos ritmos de vida desta população.
MANDIOCAS E MACAXEIRAS NO PURUS
Gilton Mendes dos Santos (NEAI /Antropologia/UFAM)
Pesquisas em Botânica e Ecologia-histórica mostram que as primeiras populações da planta de mandioca (Manihot esculenta Crantz) foram domesticadas no sudoeste da Amazônia – no que hoje abrange os estados de Rondônia, Mato Grosso, Acre e áreas adjacentes do norte da Bolivia (Olsen & Schaal, 1999, 2006). Investigações conduzidas por Clement et al. (2010) mostram um movimento centrípeto do fenômeno de origem e difusão das plantas cultivadas na Amazônia, isto é, elas surgiram nas bordas e tiveram sua expansão em direção ao interior da Bacia amazônica. Segundo Wilson et all (2002, 2003) o tipo amargo (mandioca) têm prevalência sobre o tipo doce, e um mapeamento da distribuição e amplitude da diversidade varietal realizado por Emperaire (2001) aponta para uma concentração das mandiocas do tipo brava na Amazônia Central e no Norte, enquanto as do tipo doce predominam na região sudoeste amazônico, no entorno do piemonte andino. A partir desse cenário e dos dados etnográficos cotejados até o momento, com base nas cosmologias, na fitonímia e narrativas históricas e míticas, o presente estudo mostra que, no Purus, o plantio e a importância das macaxeiras (tipo doce) são anteriores ao das mandiocas, embora a presença destas seja atualmente dominante na região, o que se deu partir de uma reconfiguração dos sistemas econômicos locais, perpetrado pelas frentes extrativistas e a ação do SPI.
ARQUEOLOGIA TUPI NA AMAZÔNIA ORIENTAL: REFLEXÕES A PARTIR DOSSIGNIFICADOS DA MOBILIDADE ENTRE OS ASURINI DO XINGU, PA.
Lorena Garcia (LINTT/PPGAS/MAE/USP)
A vasta região dos interflúvios Xingu-Tocantins abriga uma história de longa duração dos povos falantes do tronco Tupi, e especialmente de grupos de língua da família linguística Tupi-Guarani. Parte dessa história está inserida em outra história maior, elegantemente contada por Brochado (1984) e Noelli (1996), e que abrande grande parte do continente sul-americano. Esses autores trouxeram à tona, dentre outras questões, dois aspectos que se tornaram referências às reflexões sobre as diferentes configurações dos sistemas regionais de ocupação dos povos Tupi: o primeiro refere-se à ideia da expansão gradativa dessas populações; o segundo, vinculado ao primeiro, está ligado ao domínio territorial levado a cabo por essas populações, por longos períodos de tempo. De maneira geral, o estabelecimento das populações Tupi na Amazônia Oriental retrata esses mesmos aspectos, materializados na monumentalidade das matas de babaçu, evidência da transformação cultural da floresta, na ampla quantidade e distribuição de sítios arqueológicos correlacionados pela proximidade, cultura material, camadas espessas de terra de preta arqueológica, e em cronologias que revelam mais de 1800 anos de ocupação até o século XXI. Entretanto pouco se sabe sobre as dinâmicas de mobilidade territorial que estão por detrás da formação dessa paisagem indígena, e dos processos históricos á ela associados. A pesquisa etnoarqueológica e arqueológica realizada nas antigas aldeias dos Asurini do Xingu – povo de língua Tupi-Guarani que vive na T.I. Kuatinemo, médio Xingu – abre espaço para refletirmos, a partir da experiência dos Asurini, sobre o significado dos processos de mobilidade, e que envolve tanto a formação de grandes assentamentos quanto a dissolução ou diminuição dos mesmos. A percepção em macro e microescala espaço-temporal orientará a presente comunicação que se volta essencialmente à pesquisa etnoarqueológica em nível local (T.I Kuatinemu) e arqueológica em nível local e regional (T.I. Kuatinemu e médio-baixo Xingu), partindo da conjunção de três perspectivas da disciplina arqueológica: 1) Arqueologia como história indígena de longa duração; 2) Arqueologia do Contato e; 3) Arqueologia Colaborativa.
CAÇA E RUÍDO: SOBRE AS PAISAGENS SONORAS AWÁ-GUAJÁ
Uirá Garcia (CEstA/Antropologia/UNICAMP)
Os Awá-Guajá são falantes de uma variante do Tupi-Guarani e estão localizados em terras indígenas da Amazônia oriental, no estado do Maranhão. Trata-se de um povo composto por caçadores habilidosos, detentores de uma técnica apurada para a caça de mamíferos arborícolas. As caçadas, cujas técnicas empreendidas são diversas – chamadas genericamente de watá (“andar-caçar”) – são a matéria mesma da vida. Os Awá enfatizam a importância de uma atenção auditiva para as atividades de caça, e para isso se utilizam de imitações e cantos que compõem parte importante de sua cinegética. O objetivo desta apresentação é expor a “dimensão acústica” das atividades de caça deste povo, discutindo o quanto a paisagem deve ser antes “escutada”, e não apenas “vista”. Junto a isso, apresento como a ideia de “barulho (iaú)”, tal como os Awá a elaboram, é fundamental para ilustrar as ameaças ambientais que atingem diretamente as suas terras.
CAMINHOS E LUGARES NO NOROESTE ARGENTINO. O CASO DOS PASTORES DE SANTA MARÍA
Milena Acha (LINTT/PPGAS/MAE/USP)
Para este trabalho vamos analisar a relação que se estabelece entre a mobilidade e a internalização da paisagem, em um grupo de pastores do vale de Santa María (Província de Catamarca). Durante os percursos os pastores entram em contato com certos lugares particulares e seus conjuntos artefatuais e isto estabelece um determinado significado à paisagem. Tendo como base os lugares como repositórios de ações que, a través do tempo e da repetição integram o conhecimento e a memória das pessoas promovendo identidade, neste trabalho vamos analisar essa relação entre movimento, caminhos, lugares e vestígios materiais e a maneira como são reconhecidos e significados nesta região do Noroeste Argentino.
TEMPORALIDADES VEGETAIS. O DEPOSITO DO TEMPO NA PAISAGEM.
Joana Cabral de Oliveira (CEstA/USP)
Partindo dos diferentes tempos de maturação dos vegetais, sobretudo aqueles que se cristalizam na oposição entre plantas cultivadas e não-cultivadas, explorarei como diferentes memórias se depositam na paisagem. Tendo como base a etnografia entre os Wajãpi (grupo Tupi-Guarani habitante da bacia do rio Jari, Amapá) vou descrever o modo como são conectadas memórias e território por meio dos vegetais, constituindo, assim, paisagens móveis, de diferentes durações.
O TERRITÓRIO COMO RELAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO MUNDO JARAWARA
Fabiana Maizza (DA/CEstA/USP)
Procurarei pensar o território dos Jarawara – um grupo Arawá do Sudoeste Amazônico que vive nas proximidades do rio Purus – a partir das relações que os membros desta sociedade mantêm com os seus Outros. O objetivo será entender o espaço através da dinâmica do cosmos, das relações e das ações cotidianas das pessoas. Iniciarei com a análise do material sobre toponímia, caça e mitos, tentando demonstrar, a partir dele, como a concepção de lugares é criada. Em seguida, descreverei os tipos de seres que povoam o cosmos. Dedicar-me-ei então aos dois espaços distintos do mundo Jarawara – a terra (wami) e o céu (neme) – que abrigam seres característicos. Para finalizar, unirei os pontos anteriores pela explicação dos locais utilizados por eles no dia-adia e dos locais gravados em suas memórias (inclusive as localizações míticas) em diálogo com a concepção do mundo e com as complexas relações que os humanos mantêm com outros habitantes do cosmos.
O LUGAR DA PAISAGEM NO MUNDO DOS PATAXÓ: MOVIMENTOS, CONHECIMENTOS E POLITICA DO HABITAR
Thiago Mota Cardoso (PPGAS/UFSC)
Apresentarei uma reflexão sobre o entrelaçamento entre os Pataxó e a ideia de paisagem através de uma pesquisa etnográfica em andamento. Considera-se paisagem como um termo produzido por um conjunto de práticas, procedimentos, performances e conceitos erigido de formas particulares de habitar o mundo, passivo de ser dissipado e implodido em sua pretensa universalidade e re-construído através do exercício etnográfico e antropológico, como um exercício de tradução de modos de viver e conhecer. O termo paisagem é utilizado pelos Pataxó em certos contextos e transita, ou é evocado, por diversos atores – incluindo antropólogos – em torno do ambientalismo, do indigenismo e dos projetos de desenvolvimento econômico. Busco expor e relacionar essa multiplicidade de modos tensionados de conhecer através de mapas e de estudos etnográficos realizados desde 2007, que apontam, por um lado, a “paisagem (s)”, seja do ponto de vista da estética ou da ciência, afirmando seu caráter naturalístico, expressas no modo ex-habitant de estar no mundo, ancorado nos dualismos entre natureza e cultura, entre mente e mundo e entre sujeito e objeto. De outro, os Pataxó, afirmando que o mundo se constitui e se desenvolve no movimento contínuo, no caminhar ao longo de trilhas e trajetórias históricas, por onde relações são tecidas e inscritas em lugares – por exemplo, associando movimentos, parentesco e paisagem. No plano da intercientificidade e interculturalidade, os Pataxó incorporam e traduzem criativamente o termo paisagem e conceitos oriundos de uma longa tradição filosófica naturalista e do conhecimento geográfico e ecológico euro-americano, como natureza, beleza cênica, território, biodiversidade, mata atlântica. A presença dessa análise não tem, todavia, o objetivo de uma comparação estrita entre diferentes e tensionadas perspectivas, mas antes matizar um jogo de aproximações, distanciamentos, confrontos, assimetrias e conexões intercientíficas e política – uma “politica do habitar” – visando um melhor entendimento dos modos pataxó de habitar e conhecer o mundo em que vivem e suas formas de “adaptação resistente”.
ÀS MARGENS DO LAGO DE LEITE. PAISAGENS E VIAGENS XAMÂNICAS NAS RODAS DE COCA DOS HUPD’ÄH (MAKU) DO ALTO RIO NEGRO – AM
Danilo Paiva Ramos (CEstA/PPGAS/USP)
Durante os encontros noturnos, os benzedores hup sentam-se em roda para o consumo de coca e tabaco sendo notável o vazio no interior do círculo. Uma noite, enquanto conversávamos na roda, um cachorro atravessou o centro. Todos se agitaram para enchotar o animal do “Lago de Leite” que se forma diante dos senhores hup enquanto conversam, benzem e contam mitos. Partindo desse evento específico, busco descrever algumas analogias possíveis entre a viagem dos benzedores hup ao Lago de Leite para a cura e proteção e a caminhada que fizemos ao morro sagrado da Serra Grande para banhos rituais de purificação e endurecimento do corpo. Toma-se os encontros noturnos como contextos que associam os fazeres mítico e xamânico a partir de uma forma relacional particular que articula modos de ação distintos. Procura-se delinear como esses modos de ação mobilizam sensorial e experiencialmente os participantes permitindo a interação com diversos seres em múltiplas paisagens, campos de percepção e ação para o engajamento mútuo em processos de transformação ao longo do mundo.
PAISAGENS E REMANSOS: REVISITANDO A TERRITORIALIDADE DOS MURA A PARTIR DA NOÇÃO DE LUGARES CRIADOS
Marta Amoroso (CESTA/Antropologia/USP)
Talvez um tanto a contramão de um seminário que estimula a reflexão sobre os movimentos, esta apresentação propõe interpretar os dados recentes sobre a territorialidade dos coletivos Mura da Amazônia à luz da discussão da etnologia sobre os lugares: “… certos sítios conhecidos abrigam espíritos.” (Viveiros de Castro 80: 2002). O tema dos lugares representa uma guinada na reflexão sobre os Mura, que como sabemos, foram descritos ao longo do século XX como seguindo um padrão de residência associado aos deslocamentos erráticos, ao nomadismo, à tecnologia das habitações em casas flutuantes e em terra aos tipitis improvisados em acampamentos de extrativismo, caça e de pesca. Remansos identificados às cidades do encante, entretanto, são inscrições geograficamente circunstanciadas, cuja notícia associada aos Mura é bastante antiga. Parte-se desses lugares para uma exploração a respeito de elementos da construção da pessoa envolvidos nos procedimentos de cura entre os Mura. Esta via de análise, em diálogo com o tema da pessoa composita, sugere um viés alternativo para os estudos sobre o caboclo e a pajelança na Amazônia Central e Baixo Madeira que usualmente tenderam a considerar a categoria caboclo como exótica e de aquisição recente, advinda do contato, termo com a qual os coletivos amazônicos não se relacionariam positivamente. Os Mura nos apresentam pelo menos duas dimensões do dispositivo caboclo, mobilizados na autodenominação dos índios que se consideram misturados, a ênfase da mistura recaindo na condição de índios e de nativos; o dispositivo caboclo mobilizado para tratar da agencialidade dos mortos, os caboclos do fundo que habitam os patamares do cosmos e que conectam os vivos com a sabedoria ancestral da cobra-grande.
CAÇADORES E COMEDORES DE JABOTIS
Priscila Matta (CEstA/PPGAS/USP)
A caça dos jabotis pelos Araweté envolve relações entre homens e jabotis, entre jabotis e árvores, entre casais e/ou grupos locais e entre homens e outro seres do cosmos. A proposta é pensar a temática das paisagens como indissociável das relações de alteridade. Assim, a despeito da inegável materialidade do mundo terreno, não pretendo investir no debate polarizado à respeito de paisagens enquanto fenômenos naturais ou culturais, de um sujeito espectador ou fazedor, pois não é “ou isto ou aquilo”, mas na produção cotidiana da vida em que produção de corpos e mundos estão plenamente imbricadas.
PARALAXE NO MAR: TÉCNICAS DE NAVEGAÇÃO ENTRE JANGADEIROS DA PARAÍBA E RIO GRANDE DO NORTE (BRASIL)
Gabriel Coutinho Barbosa (Antropologia/UFSC)
Um tema relativamente pouco estudado pela antropologia e áreas afins é aquele das técnicas de navegação desenvolvidas e empregadas por populações costeiras. No que diz respeito à vasta produção sobre as populações costeiras no Brasil, o assunto têm sido ignorado ou timidamente abordado em comparação com outros temas como técnicas de pesca, organização social e/ou do trabalho, impactos do mercado e industrialização da pesca, conflitos socioambientais. Nesse sentido, noções como aquelas de “caminho”, “assento” e “marcação”, centrais para a navegação costeira e localização de pontos de pesca submersos por pescadores artesanais no Nordeste brasileiro, embora mencionados pela literatura antropológica, ainda carecem de um exame mais profundo sobre seus sentidos mais precisos e modos de operação. Com base em pesquisa etnográfica, busco compreender as técnicas de navegação costeira e em alto mar empregadas por pescadores jangadeiros no litoral da Paraíba e Rio Grande do Norte (Brasil), enfatizando aspectos relacionados à percepção do ambiente e habilidades implicadas. Algumas dessas técnicas de navegação, bem como as noções de “caminho”, “assento” e “marcação” são analisadas à luz de teorias cognitivistas e pós-cognitivistas, como aquelas dos “mapas mentais” e “descobrir-caminho”.
PALESTRAS
ROÇAS E PLANTAS EM MOVIMENTO
Laure Emperaire (L’Institut de Recherche pour Le Développement IRD)
Exploramos aqui as diversas dimensões nas quais a diversidade das plantas cultivadas se inscreve no contexto indígena do médio Rio Negro. A agricultura local é fundamentada sobre uma alta diversidade de plantas, mandioca e outras espécies de tubérculos. As dimensões espacial, temporal e social dessa diversidade são analisadas a partir das práticas da agricultura de corte e queima mas também a partir das trajetórias de migração e de mobilidade das famílias. Esses percursos revelam uma estreita ligação entre histórias de vida e histórias de plantas. Mudas e sementes circulam intensamente na escala regional e sua presença no espaço da roça compõe uma paisagem produtiva mas também estética, social e de memória afetiva. No entanto, um projeto de modernização da agricultura indígena, que incorpora ainda em grande parte a ideologia da revolução verde, está sendo discutido e sua implementação criará novas categorias de significados para as plantas cultivadas obliterando o caráter dinâmico de sua gestão. Discutimos em conclusão de outras possibilidades de inserção na modernidade que levem em conta os significados locais da agrobiodiversidade.
MOBILITY AMONG PASTORAL PEOPLES: AN EXAMINATION OF PATTERNS AND VARIATION AMONG THE TURKANA AND MAASAI OF EAST AFRICA.
James Terrence McCabe (University of Colorado/ Boulder)
Beginning with Derrick Stenning’s classic examination of pastoral mobility in West Africa, researchers working with mobile peoples have often attempted to classify mobility patterns into discrete categories; e.g nomadic, transhumant, tethered, etc. Authors have also often argued for the primacy of particular factors as the principal explanation of why people move, where they move and how often they move; politics, ecology, economics, etc. Research on pastoral mobility conducted among the Turkana of Kenya and Maasai of Tanzania over thirty years reveals particular patterns of mobility, but also significant variability among groups from year to year and among individual families within any one year. In this presentation I discuss the literature on human mobility and how my research supports some aspects of this literature and challenges other aspects. Although the discussion involves mobility among contemporary pastoral peoples it has relevance to past peoples as well as other mobile populations.
THE NEW “NEW” ECOLOGICAL THINKING IN ANTHROPOLOGY: EXPLORING THE RELEVANCE OF RESILIENCE THINKING IN NORTHERN TANZANIA.
James Terrence McCabe (University of Colorado/ Boulder)
Ever since Julian Steward’s work on the livelihood practices of hunting and gathering peoples in the Great Basin in the American West, paradigms concerning the relationship of people to the environment have emerged, been critiqued, and replaced as theory is influences by discussions in ecology and the social sciences. Cultural ecology, ecological anthropology, ecosystem studies, political ecology, and complex adaptive systems have been considered the “new” thinking in the analysis of people’s influence on the environment and the environment’s influence on the management of natural resources and social organization. Here I discuss this literature and consider another paradigm that is emerging from the ecological literature. I explore the relevance of resilience theory in understanding the social ecological system of the Maasai and the rangelands on northern Tanzania.