Texto de Márcia Jamille
Atualmente consideradas um dos símbolos mais marcantes da extinta civilização egípcia, a conservação de forma artificial de animais irracionais tem chamado a atenção de curiosos e pesquisadores desde meados do século XX, quando, após pouco mais de duzentos anos de existência, a Arqueologia Egípcia por fim começou a dar a importância devida ao estudo deste tipo de artefato.
Anterior a este período, estes tipos de múmias foram relegadas a um segundo plano nas pesquisas, recebendo pouca atenção ou simplesmente sendo descartadas ou utilizadas como matéria prima para adubos ou lenha, porém, nem sempre foi assim. Antes das ações imperialistas europeias e mesmo da tomada otomana, o culto e a mumificação de animais durante a antiguidade faraônica chamou a atenção dos antigos gregos e romanos que visitaram – ou mantiveram residência – no país entre o Período Tardio (c. 664 – 332 a. E. C.) até parte do Período Romano (c. 30 a. E. C. – 395 d. E. C.).
Dentre estes viajantes estava o grego Heródoto que em sua expedição ao país no século V a.E.C. escreveu suas impressões acerca do modo de vida egípcio, inclusive em relação ao trato de animais, tais quais o cão e o gato:
(…) todos os habitantes de uma casa na qual acaba de morrer um gato de morte natural raspam as sobrancelhas e, quando morre um cão, raspam o corpo todo, inclusive a cabeça.
Embora o senso comum relacione a imagem de múmias de animais como objetos votivos, em verdade este tipo de conservação é dividida em quatro categorias. São elas:
(1) Pets: estas são as múmias de animais de estima, exemplos deste tipo de artefato são os corpos conservados artificialmente de cães, gatos, gazelas, macacos, pequenos roedores e aves (tais como íbis);
(2) Sagrados: estas são múmias de animais especiais que eram cultuados em vida como o avatar de um determinado deus, tal como o Sobek, representado por um crocodilo, e o Ápis, representado por um touro;
(3) De devoção: estas são múmias de animais que foram recolhidos após uma morte natural, ou que foram sacrificados para serem oferecidos por devotos para uma determinada divindade. Dentre os encontrados estão os gatos (para Bastet), leões (para Mahes e/ou Sekhemet), crocodilos (para Sobek), cães/hienas/chacais (para Anúbis), íbis (para Thot), babuínos (também para Thot), falcões (para Hórus) e o Mormyrus (para o Oxirrinco).
(4) Comida para o além: estas são múmias que foram estocadas em túmulos na esperança de que servissem ao indivíduo falecido na sua estadia no “além-vida”. São porções fatiadas de carne que foram mumificadas para que não entrassem em processo de putrefação no sepulcro. Dentre os encontrados então cortes de gansos, bovídeos e caprinos.
Um espaço especial
Em alguns casos é possível encontrar sepultamentos de determinados animais de estima ao lado do seu dono, como o que ocorreu com a Divina Adoradora, Maatkarê, cuja múmia do seu macaquinho foi encerrada ao lado do seu corpo ou o caso de um cão conservado e depositado no sepulcro conjunto de uma família humana.
Porém, tamanha era a popularidade e importância religiosa de alguns tipos de animais que necrópoles exclusiva eram determinadas para alguns deles, a exemplo do cemitério para gatos domésticos e votivos a deusa Batet em Per-Bastet (Bubastis), a necrópole de babuínos e íbis votivos a Thot em Tuna el-Gebel ou a necrópole para canídeos votivos a Anúbis em Saqqara.
Para saber mais:
IKRAM, Salima. “Divine Creatures: Animal Mummies”. In: IKRAM, Salima. Divine Creatures: Animal Mummies in Ancient Egypt. Cairo: The American University in Cairo, 2005.