Qual a diferença entre História e Arqueologia?

por Gabriela Mingatos & JuCa

O pensamento de que a Arqueologia é uma subárea da História ainda é muito comum atualmente, mas isso não está nem próximo da realidade. Neste texto tentamos explicar da forma mais simples possível quais as diferenças entre estas duas áreas acadêmicas que possuem o mesmo objetivo, mas atingem ele de maneiras diferentes.

Escavações arqueológicas são planejadas e coordenadas por arqueólogos, e não por historiadores. (Como é feita uma escavação arqueológica? Fonte: Revista Mundo Estranho, Maio de 2012.)

História é apenas uma das áreas acadêmicas a qual arqueologia ainda é confundida. Afinal, ainda é muito comum que muita gente (em grande parte por culpa da má divulgação feita pela mídia) insista em confundir a arqueologia com a História, com a Antropologia ou, até mesmo, com a Paleontologia.

A História e a Arqueologia são estudos acadêmicos distintos que tiveram, assim como todos os demais campos do conhecimento, trajetórias próprias. Entretanto, em muitos momentos, assim como todos os estudos que são, geralmente, classificados no campo das Humanidades, essas trajetórias se cruzaram nos campos teóricos e metodológicos.

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Documentos escritos, incluindo textos, mapas, dinheiro, e até mesmo documentos digitais modernos são objetos de estudo dos historiadores, e não dos arqueólogos. (A coleção Schøyen: 20 mil manuscritos antigos de 134 países em 120 idiomas. Fonte: Martin Schøyen)

A Arqueologia ainda é equivocadamente vista como um ramo auxiliar da História por muitas pessoas que tem pouco ou nenhum conhecimento sobre a área (incluindo diversos historiadores). Muitas pessoas não entendem que a Arqueologia tem “vida própria” e não é um ramo da História. Isso se deve, em parte porque a Arqueologia teve diversas origens enquanto uma área de estudo acadêmico. Logo, esse pensamento não era necessariamente errado há um século atrás em alguns lugares do mundo.

Por exemplo, na França a Arqueologia era entendida como um ramo auxiliar da História, sendo a disciplina científica que tratava de estudar os artefatos de sociedades que já dominavam a escrita. Já o estudo das sociedades mais antigas era chamada de Pré-História, apesar do método de estudo ser o mesmo. No entanto, em outros lugares, a arqueologia nasceu nas “Ciências Naturais” como foi o caso da Inglaterra e de países do extremo oriente como a China e o Japão. Já nos Estados Unidos, a arqueologia surgiu como um ramo da Antropologia. Ou seja, mesmo há décadas atrás essa visão de que a arqueologia é um ramo auxiliar da história não era compartilhado por todos os estudiosos. Atualmente, essa visão, além de não ser de senso comum, ela também é ultrapassada. Tanto é que arqueólogos não aprendem a fazer História, e historiadores não aprendem a fazer Arqueologia em seus respectivos cursos de formação acadêmica. Basta abrir a grade curricular dos cursos de graduação em História e verificar que não há semelhança com as dos cursos de Arqueologia. E quando há alguma disciplina voltada para a arqueologia num curso de história, pode ter certeza que é porque existe um arqueólogo lecionando nesse curso (o que também é raro, mas auxilia os estudantes de história que tem interesse em se tornarem arqueólogos no futuro).

É preciso observar que os cursos acadêmicos de Arqueologia e História possuem, cada um, grades curriculares específicas voltadas para a formação de profissionais específicos. Na Arqueologia a história da humanidade é abordada de forma diferente da que é abordada num curso de História. Outra diferença é que a Arqueologia possui uma grade curricular muito ampla que inclui disciplinas dos outros campos acadêmicos (Biociências, Geociências e Exatas), o que não ocorre (ou raramente ocorre) na grade curricular de um curso de História. Isso se deve aos objetivos próprios das diferentes formações. Fora isso, em cursos de arqueologia existem disciplinas voltadas à metodologia científica, o que raramente ocorre em cursos de História. Mas, se por um lado os estudantes de arqueologia tem um aprendizado muito maior sobre escavações e análise de artefatos, os historiadores tem um aprendizado muito maior na interpretação de documentos históricos e organização política das sociedades que dominam a escrita.

Por terem longas trajetórias acadêmicas, as definições daquilo que é Arqueologia e o que é História mudaram com o passar das décadas. Essas mudanças estão ligadas àquilo que os arqueólogos e historiadores tomavam como objeto de estudo. Portanto, diversas definições para ambos os estudos surgiram ao longo de mais de um século. Atualmente, mesmo com alguma divergência entre algumas definições, há um senso comum para aquilo que se entende como Arqueologia e como História, partindo dos seus objetivos, seus objetos de estudo, suas abordagens de estudo e o seu ensino acadêmico.

Arqueologia é uma ciência cujo objetivo é entender a humanidade através do estudo de quaisquer vestígios materiais relacionados a atividades humanas.

História é um apanhado de estudos com o objetivo de entender a humanidade com o auxilio dos documentos escritos do passado e com a documentação dos acontecimentos mais significantes das sociedades atuais.

Isso não quer dizer que historiadores não podem fazer um trabalho que, por definição, está mais ligado à Arqueologia e vice-e-versa. As definições colocadas acima apenas dão uma ideia geral daquilo que a Arqueologia e a História estão mais relacionadas atualmente.

De uma forma bem simplificada, diferenças e similaridades com relação aos dois tipos de estudo podem ser colocadas da seguinte forma:

Arqueologia História

Tem como objetivo geral entender a humanidade, principalmente aspectos culturais e biológicos.

Tem como objetivo geral entender a humanidade, principalmente o desenvolvimento cultural e político.

Escava sítios arqueológicos e analisa qualquer tipo de vestígio material ligado a atividades humanas (pedras lascadas, registros rupestres, restos de plantas e animais, cerâmicas, metais, vidros, etc) em laboratórios especializados.

Estuda principalmente documentos escritos, e em alguns casos artefatos do período histórico.

É uma ciência. Segue teorias, métodos e técnicas científicas de análise. Propõe e testa hipóteses científicas. Em muitos casos, aplica experimentos.

É um apanhado de estudos com diversas bases teóricas, mas apenas alguns seguem abordagens científicas. 

Compreende todo o período de existência do gênero Homo e e de hominínios ancestrais – Desde cerca de 7 milhões de anos atrás até o presente.

Compreende o período a partir do surgimento das escritas cuneiformes a partir de 5 mil anos). No caso do continente americano, o foco está no período posterior ao ano de 1492, quando Colombo chegou ao continente.

Isso não quer dizer que arqueólogos nunca estudam documentos escritos, ou que historiadores nunca analisam artefatos pré-históricos. O que acontece é que eles não são (ou raramente são) treinados para realizar estas atividades. Logo, há uma tendência maior no tipo de estudo que cada profissional faz.

A História, na maioria dos casos, se ocupa da análise e interpretação de documentos e relatos deixados em épocas especificas da trajetória da humanidade. Já a Arqueologia, tende a olhar para os artefatos e demais vestígios deixados pelos grupos humanos.

É importante notar que apesar de se ocupar apenas dos vestígios materiais deixados pelas populações humanas pretéritas, a arqueologia utiliza dados históricos como parte da análise dos materiais. Estes dados muitas vezes confirmam ou negam a presença de determinados grupos numa região e ajudam a compreender possíveis processos de trocas, primeiro observado no material arqueológico e depois observado nos relatos históricos. No Brasil, por exemplo, isso geralmente ocorre em estudos de Arqueologia Histórica, também conhecida como Arqueologia Pós-Colonial, cujos artefatos ajudam na construção do conhecimento sobre grupos humanos do período colonial (após 1500) que não dominavam a escrita, como os escravos.

A História não necessariamente precisa dos objetos para compreender alguns fenômenos sociais ao longo do tempo, portanto os artefatos não são o foco. Apesar de que, quando necessário, objetos (a cultura material) auxiliam na construção histórica, para entender mais sobre os grupos humanos que já dominam a escrita, ou de grupos humanos que não dominam a escrita apesar de terem convivido com quem dominasse.

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Objetos do período colonial, como porcelanas, vidros, plásticos, metais, e até mesmo obras arquitetônicas são exemplos de cultura material estudada tanto por arqueólogos históricos como por historiadores, ainda que os últimos o façam em menor escala.

Ambas são estudos “históricos”, no sentido de que elas observam acontecimentos e mudanças ao longo do tempo. Contudo, devem ser vistas como estudos acadêmicos distintos, pois as maneira que elas tentam entender a humanidade são distintas. O mesmo vale para a Antropologia, por exemplo, que é uma área acadêmica que também busca entender a humanidade, mas de uma maneira que nem a Arqueologia e nem a História costumam fazer. Basta dar uma lida nos periódicos acadêmicos (onde são registrados os resultados das pesquisas) de cada área e perceber como os profissionais de cada área atuam de formas distintas.

A Arqueologia é “histórica” no sentido de que ela registra acontecimentos da história da humanidade desde a sua origem. Mas arqueologia não é História (o estudo), ou um ramo auxiliar dela. A Arqueologia apenas pede auxilio à História, assim como a História pede à Arqueologia. Uma não se submete a outra. Elas fazem parte de um estudo maior que é o estudo da humanidade – ou o campo acadêmico das Humanidades (onde estão aí inclusas a antropologia, a geografia, a psicologia, etc). E tendo a humanidade como ponto em comum, proximidades e semelhanças são e serão inevitáveis.

Sobre os autores:

 Gabriela Mingatos é bacharela em Historiadora, Bacharela em Ciências Sociais, Mestra em Arqueologia, e atualmente doutoranda em Arqueologia pelo Museu Nacional (UFRJ).

João Carlos Moreno de Sousa é bacharel, mestre e doutor em Arqueologia. Atualmente é pesquisador de pós-doutorado pelo Instituto de Biociências da USP.

Para saber mais sobre o assunto: