Por: Marcos Davi Duarte da Cunha
É o estudo sobre as relações entre o homem da antiguidade com os eventos celestes importantes como equinócios, solstícios, helíacos, eclipses, passagens de cometas etc. Tais eventos eram observados e interpretados através de suas cosmovisões com as quais norteavam os seus diversos cotidianos.
Os estudos em Arqueoastronomia surgem efetivamente na segunda metade do século XIX com observações aos alinhamentos de templos egípcios por missões francesas e inglesas inicialmente.
A astronomia na antiguidade é um instrumento da manutenção de poder entre os grupos humanos tendo em vista sua capacidade de informar os períodos importantes para uma sociedade e seu funcionamento. O domínio do tempo e suas estações era vital para as cidades e essa ferramenta estava intimamente ligada aos lugares de poder. Era através desses eventos celestes que os astrônomos antigos podiam delimitar temporadas de agricultura, navegação e cerimônias religiosas que por sua vez estão refletidas geralmente em suas construções e arquiteturas como monumentos megalíticos e dólmens (Stonehenge em Salisbury, Pedras Altas em Sintra, Axeitos em Galiza e Anicuns em Goiás entre outros), palácios e santuários (Karnak em Luxor, Cnossos em Creta, Templo das Inscrições em Palenque) muitas vezes relacionados com o ambiente local mantendo algum alinhamento com a composição topográfica e os movimentos de objetos celestes (o Sol se pondo em um vau de uma montanha no equinócio, por exemplo).
Entre os indígenas no Brasil podemos identificar em suas representações rupestres elementos que sugerem um “olhar celeste” naqueles grupos. Podemos encontrar exemplos de representações astronômicas na região central da Bahia, Pedra do Ingá na Paraíba e Região do Rio Doce onde possivelmente estejam registradas ali observações de alguma constelação (lagartos, antas, tartarugas, estrelas etc). Os povos originais de nosso território já identificavam as Plêiades e Orion, por exemplo como precursoras de tempos de chuvas e cultivos.
Na literatura antiga também podemos identificar registros astronômicos. Algumas passagens nos contos de Gilgámesh, onde o herói se depara em luta contra o Touro do Céu; narrativas da bíblia hebraica como o evento do “Sol parado”, as poesias de Anacreonte, são exemplos de como os antigos observavam o céu.
Hoje com o advento das tecnologias de satélite (imagens, GPS etc) a Arqueoastronomia ganha uma valiosa ferramenta de atuação no campo de pesquisa. Softwares de Astronomia e de localização geográfica como Stellarium, Google Earth entre outros, vieram a facilitar e complementar os estudos sobre o céu dos antigos.
Sem que percebamos, nossa própria sociedade ainda é influída em preceitos ligados a uma orientação oriunda “dos céus” em nossos discursos de relações de poder e política. Isto está implícito em diversos símbolos (estrelas em bandeira, constituição orientacional de construções públicas etc). Lembremos que nossas estações do ano ainda são norteadas pelos equinócios e solstícios e as datações das páscoas entre diversos povos estão ligadas com helíacos e fases lunares do ano.
De toda sorte, para tentar ficar com os pés no chão, a humanidade sempre olha para o céu.
Bibliografia inicial recomendada:
BRANDÃO, Jacyntho Lins (trad). Sin-Léqi-Unnínni – Epopeia de Gilgámesh – Ele que o Abismo Viu. Belo Horizonte: Ed. Autêntica Clássica, 2020.
DUNCAN, David Ewing. Calendário – A epopeia da humanidade para determinar um ano verdadeiro e exato. Rio de Janeiro: Ed. Ediouro, 1999.
FILHO, Ivan Alves (org). História Pré-Colonial do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Europa, 1994.
GALDINO, Luiz. Astronomia Indígena. São Paulo: Ed. Nova Alexandria, 2011.
LULL, José. La Astronomía en el Antiguo Egipto. València: Universitat de València, 2006.
MAGLI, Giulio. Archaeoastronomy – Introduction to the Science of Stars and Stones. Cham: Springer, 2020.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1995.
THIEL, Rudolf. E a Luz se Fêz. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1972.
Sobre o autor
Marcos Davi Duarte da Cunha é mestre em História Antiga Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutorando em Arqueologia pelo Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional (PPGArq/ MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com ênfase em Arqueoastronomia nos palácios minoicos em Creta; membro do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional (SESHAT/MN) e integrante do Proyecto NeferHotep (TT-49) com pesquisas sobre alinhamentos astronômicos das arquiteturas funerárias na necrópole tebana em Luxor.