
Texto de Marina Gratão
Quando pensamos ou estudamos sobre a vida do homem pré-histórico, queremos sempre saber como sobrevivia, como se relacionava ou como era seu ambiente e suas dificuldades. Grande parte da curiosidade nessas questões vem de querer desvendar a história da evolução da nossa própria espécie, saber como chegamos até onde chegamos, e como nossos ancestrais ou populações antigas lidaram com as diversas intempéries que viam à sua frente.
Parte do conhecimento sobre a evolução da nossa espécie está em desvendar características das populações pretéritas: como estavam estruturadas, quantos indivíduos existiam, qual era o padrão de seu crescimento e o que estava influenciando esses fatores. Havia mais jovens do que idosos na população? Mais homens do que mulheres? Como era o padrão de sobrevivência entre as diversas faixas etárias?
Estudos de paleopatologia, interessados nas doenças acometidas em populações pré-históricas, dependem fortemente de dados de estatísticas populacionais, uma vez que a incidência de muitas doenças é dependente do sexo e da idade. Além disso, a morbidade a partir de doenças infecciosas em particular também depende do tamanho e densidade populacionais.
Períodos chave da história humana estão ligados a momentos de mudança demográfica e, muitas vezes, de mudanças no estado geral de saúde e estilo de vida. A revolução do Neolítico, por exemplo, período do advento da agricultura, é conhecido como um momento de grande aumento populacional e diminuição da qualidade de vida biológica, com aumento de incidência de doenças, resultado, dentre outros fatores, do aumento da densidade demográfica.
Para as populações modernas estão presentes diversas fontes de informação que podem nos ajudar a fazer um estudo demográfico, como dados de censo ou outros registros escritos sobre tamanho populacional e densidade demográfica. Mas como realizar esse tipo de estudo com populações nas quais não há registros escritos?
Um dos desafios dos arqueólogos, ou todo pesquisador interessado em estudar aspectos de tempos muito antigos, é ter que lidar com os vestígios que sobraram decorridos os milhares de anos que os separam de sua fonte de investigação. Com o estudo paleodemográfico não é diferente. O paleodemógrafo tem que lidar com o que existe de evidência deixada pelo tempo, que inclui evidências de diversas fontes, como da antropologia física, genética, arqueologia e primatologia. Vestígios como os remanescentes humanos ou assentamentos são os mais utilizados nos estudos realizados em paleodemografia.
De vital importância para esse tipo de estudo é a determinação do sexo e idades dos esqueletos, necessários para a obtenção de uma distribuição etária da população e para estimar parâmetros demográficos dessa distribuição. Para isso são usados diversos métodos advindos da antropologia física, como características do crânio e ossos do quadril, ou a fusão das epífises dos ossos longos.
A paleodemografia sofreu nos anos 80, e ainda sofre, diversas críticas vindas de profissionais da área, que questionam as metodologias usadas, a interpretação dos dados, e a validade dos resultados vindos de fontes que dependem fortemente das características ambientais para a sua preservação, no caso de remanescentes biológicos. Porém a existência de vieses é inerente a qualquer estudo arqueológico ou bioantropológico, em que temos ao nosso alcance somente o que sobrou após milhares de anos, e o esforço para o aperfeiçoamento de métodos e revisões críticas do que vem sendo feito não faltam nesse tipo de estudo. Muitos viram nessas críticas uma oportunidade para o crescimento desse campo, que se faz cada vez mais necessário para a compreensão de nossa história evolutiva e de nossa breve, porém marcante, existência.
Referências:
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- Buikstra, J. E.; Konigsberg, L. W. 1985. Paleodemography: Critiques and controversies. American Anthropologist 87: 316-333.
- Chamberlain, A. 2006. Demography in Archaeology. Cambridge University press.
- McCaa, Robert. 2002. Paleodemography of the Americas. In: Steckel, R. H. e Rose, J. C. The backbone of history: Health and nutrition in the western hemisphere. Cambridge University Press, Cambridge.
- Pennington, R. L. 1996. Causes of early human population growth. American Journal of Physical Anthropology 99: 259-274.