Indústria lítica de 2,6 milhões de anos de antiguidade no nordeste da Índia: reflexão sobre as primeiras migrações

Tradução: Daniela Ortega

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Através de alguns blogs como Paleoantropología Hoy ou Nutcracker Man, conheci uma publicação em Comptes Rendus Palevol que nos revelou o achado na cordilheira Siwalik, nordeste da Índia, de restos fósseis de fauna com marcas de corte junto aos quais tem aparecido uma série de instrumentos líticos de quartzito (Choppers e lascas) que teriam uma antiguidade de 2,6 milhões de anos.

1-s2.0-S1631068315002286-gr4Imagem de Paleoantropología Hoy

Os pesquisadores têm realizado um trabalho experimental com material lítico de quartzito para determinar a intencionalidade das marcas de corte que aparecem em alguns dos restos bovinos recuperados; uma vez comparados os resultados do experimento com os fósseis originais, não há dúvidas de que as marcas de corte tenham sido realizadas com precisão.

O achado é realmente importante devido à antiguidade; temos que lembrar que até recentemente as evidências de presença humana fora da África mais antigas estavam em Dmanisi, Georgia (1,8 milhões de anos), contudo nesse último ano temos tido registro de presença humana na China há 2,3 milhões de anos, e agora na Índia, ambas em datas contemporâneas às primeiras evidências de atividade humana na África.

Isso nos leva a perguntar sobre as implicações desses achados dentro do paradigma da origem do gênero Homo ou das primeiras migrações fora da África.

As primeiras evidências de transformação intencional de matéria prima lítica, ou ferramentas primárias, as temos na África há 3,3 milhões de anos; estes conjuntos primários apareceram em Lomekwi, no Quênia e viriam a ser antecessore do Modo I (Olduvaiense) que têm sido denominado conjunto “Lomekwiense”; também em Dikika, Etiópia apareceram com 3,3 milhões de anos de antiguidade marcas de corte intencionais em restos de fauna. Em ambos os casos, os pesquisadores têm levantado cenários em que os responsáveis por esta tecnologia incipiente seriam espécies distintas das tradicionalmente atribuidas ao gênero Homo (Kenyanthropus platyops no primeiro caso e Australopithecus afarensis no segundo). Também cabe a possibilidade de que o responsável fosse algum integrante do gênero Homo ainda não descoberto.

Lembremos que os primeiros restos comumente aceitados pela comunidade científica que pertencem ao gênero Homo têm uma antiguidade de 2,8 milhões de anos, enquanto que a tecnologia comumente aceita como Modo 1 ou Olduvaiense parece ter sua origem em Gona há 2,6 milhões de anos.

Dados estes dados, Como explicamos as datações Longuppo (China, 2,3 m.a) e de Siwalik (Índia, 2,6 m.a)?

Somente parece haver duas possibilidades:

  1. Uma migração fora da África mais inicial do que se vinha considerando.
  2. Um processo de hominização na Ásia independente do africano.

Particularmente eu opto pela primeira opção; creio que o mais plausível seja pensar em um saída da África há cerca de 3 milhões de anos, e talvez pelas populações responsáveis por essa tecnologia incipiente que superava os 3 milhões de anos; neste caso seria necessário aceitar que estas populações estariam na linha evolutiva do gênero Homo ou mesmo seriam já membros de nosso gênero.

Tradicionalmente há alguns pesquisadores que têm defendido o chamado “Modelo Asiático” baseado em considerar uma migração muito inicial da África à Ásia relembrando que em torno de 3 milhões de anos as pastagens eram contínuas desde os oeste da África até o norte da China, e não existiam barreiras no Saara que impedissem o trânsito.

Eu tenho escrito sobre este tema em outras postagens, mas devido à importância de novos achados me vejo na necessidade de retomar o tema e modificar alguns mapas. Não obstante, para consultar bibliografia e aprofundar um pouco mais se pode ler os artigos originais neste link ou neste outro.

Para ilustrar essa ideia elaborei alguns mapas com algumas evidências das primeiras migrações humanas; na minha opinião tiveram que ser três migrações as que terminariam configurando a população do pleistoceno inferior.

Mapa 1: Evidências da presença ou atividade humana ao redor de 2 milhões de anos suscetíveis como resultado de uma primeira migração.

Mapa primera migración 1

No seguinte mapa veremos que as primeiras evidências do Olduvaiense na África também excedem os 2 milhões de anos, mas dada a contemporaneidade com as datações de Siwalik não creio que estas últimas sejam resultado de um segundo movimento de população; não creio que pudesse ser tão fugaz para ser contemporâneo na África, Índia e China.

Mapa 2: Primeiras evidências de Olduvaiense / Modo I na África e sua expansão pelo mundo.

Mapa primera migración 2

Estes dois mapas estão abertos a várias modificações ou hipóteses; poderiam ser um só e responder ao mesmo movimentos populacional; quiçá as evidências da China e sua expansão até a Indonésia sejam já resultado de uma evolução local fruto da primeira migração, assim como a aparição de mais evidências na Índia. Quiçá as evidências de Dmanisi, assim como as da Turquia e Bulgária respondam a um caminho de volta da Ásia; nesta hipótese trabalham cientistas há muito tempo para demonstrar as semelhanças em peças dentais asiáticas com as de Atapuerca.

Mapa 3: Aparição e Expansão dos primeiros conjuntos acheulenses.

Mapa primera migración 3

Neste caso parece claro que estamos falando de um movimento migratório diferenciado que leva consigo a aparição de uma nova tecnologia, a acheulense. Em relação com a expansão da acheulense se pode revisar este artigo no qual se levanta um cenário de difusão cultural amparado na maior cooperação intergrupal, e no qual elaborei outros mapas para ilustrar as etapas da expansão.

A verdade é que os achados que excedem a 2 milhões de anos no continente asiático abrem uma linha de pesquisa que requer olhar com receio os dogmas estabelecidos durante décadas e refletir sobre a inteligência, a cooperação e a capacidade de adaptação dos seres humanos desde as suas formas mais iniciais.

Para terminar, anexo um último mapa com todas as possibilidades que foram mencionadas.

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Fonte: Noticias de Prehistoria – Prehistoria al día

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