Arqueologia, uma ciência disposta a desconstruir estereótipos de gênero

Por Tania Abril, 8 de março de 2017

Traduzido por Daniela Ortega

A arqueóloga Margarita Sánchez Romero pesquisa novas formas de análises arqueológicas que visualizem mais o “imprescindível” papel que desempenham as mulheres em qualquer sociedade.

A pesquisadora Margarita Sánchez. / G. H. (Granada)

A luta por igualdade entre mulheres e homens durante o século XX permitiu conquistar direitos elementares para elas, como o voto. Esses pequenos passos, pouco a pouco vão reconhecendo às mulheres posições representativas da sociedade – ainda que ainda falte alcançar muito, sobre tudo, em áreas como a política, a economia e inclusive, no âmbito profissional – são grandes avanços dessa época.

Há muitas pessoas que em seu dia a dia contribuem e contribuem com novos conhecimentos encaminhados a uma sociedade mais igualitária. Um exemplo disso, é o trabalho de desenvolve Margarita Sánchez Romero, professora titular do departamento de Pré-História e Arqueologia da Universidade de Granada (UGR); com linhas de pesquisa Arqueologia das Mulheres e Relações de Gênero que investigam as atividades nas quais historicamente as mulheres têm sido associadas, buscando recuperar e valorizar todas as experiências, a sabedoria e as inovações geradas por elas; ou Arqueologia da Infância, que foca nos processos de aprendizagem e socialização dos mais pequenos e “nos permite aproximar a um momento da vida das pessoas que é crucial não só para o seu desenvolvimento e formação, mas também para a própria reprodução social do grupo. É o período em que se adquire habilidade e conhecimentos, se assume sistemas de crenças, se forma a personalidade e se inculcam valores e atividades do mundo que nos rodeia”, comenta Sánchez Romero.

Desde o seu fundamento a Arqueologia é – a ciência que trabalha com os restos materiais que nos deixaram as sociedades no passado e como esses vestígios nos falam “de todo o grupo social sem distinção”, sublinha Sánchez Romero. Mais especificamente, no grupo de pesquisa  HUM065 GEA: Cultura material e identidad social en la Prehistoria del sur de la Península ibérica, que Sánchez Romero lidera, se trabalha com uma nova forma que ajuda a “gerar conhecimento científico que possa ser utilizado para acabar com os estereótipos e discutir ideias assumidas sobre as razões da desigualdade entre mulheres e homens, ideias que frequentemente estão grosseiramente construídas”, comenta Sánchez.

SEU GRUPO TRABALHA PARA GERAR CONHECIMENTO CIENTÍFICO QUE POSSA SER UTILIZADO PARA ACABAR COM OS ESTEREÓTIPOS

Sua pesquisa coloca novos desafios para o mundo da Arqueologia, a partir da qual “o único protagonista da história tem sido o homem”; uma vez que se voltamos à origem dessa disciplina científica, que nasce ao longo do século XIX na Europa Ocidental, “só há como representantes homens brancos da elite econômica e intelectual que estão imersos em um mundo em transformação”, indica Sánchez. “Esses homens olham ao passado pré-histórico buscando a justificativa para exercer o direito sobre determinados territórios ou fundamentar os processos de colonização mediante a comparação entre os povos que colonizam com os pré-históricos; além de priorizarem o estudo de determinadas tecnologias que eles entendem que são as que avançam o mundo ou tentam contrapor as sufragistas buscando na Pré-História exemplos de como devem ser as famílias, de como as mulheres devem se comportar e quais devem ser as relações que estabelecem com os homens“, ressalta a pesquisadora.

O estudo dessa professora da UGR sobre as mulheres nas sociedades da Pré-História destaca que a Arqueologia “tem esquecido a importância do cotidiano, dos processos de mistura e hibridização, das tecnologias relacionadas com a manutenção dos grupos humanos, dos mecanismos de solidariedade, e em consequência de todos os grupos que não deteram o poder, embora essas estratégias e essas pessoas representem a maior parte do nosso passado”. Assim, “as mulheres ficam invisibilizadas, ou estereotipadas as concedendo um papel dependente e passivo nas formas de organização social“. E segue “como vemos, a não presença das mulheres no que contamos sobre o passado, não se deve a uma conclusão científica que demonstre que nós não participamos de maneira fundamental na construção e desenvolvimento das sociedades, mas sim que se deve a uma inclinação na investigação que se produziu no século XIX e que se manteve desde então.

 Arqueologia das mulheres

Nessa perspectiva, as mulheres aparecem como “imprescindíveis” na reprodução do sistema econômico de qualquer sociedade e como as que “se preocupam do bem estar físico e emocional dos grupos humanos”. Em suas pesquisas são importantes conceitos como “o de cotidiano ou como ressalta a economista Cristina Carrasco, reconhece os valores do trabalho doméstico como valores humanos fundamentais que simplesmente têm permanecido ocultos mediante o peso do mercado em nossa sociedade capitalista”.

Esse trabalho de pesquisa que Sánchez realiza também pretende “eliminar a carga essencialista pela qual essas atividades têm que estar sempre ligadas às mulheres. Não devemos cair na ‘mística do cuidado’, ou o autosacrifício ‘elegido’ pelas mulheres; mas o contrário, devemos abordar essas atividades para que elas se realizem em condições aceitáveis, dignas e reconhecidas para toda a população, as faça quem fizer, mulheres ou homens”.

Da mesma forma, essa investigação também supõe estar em vanguarda no uso de novos métodos e análises, se estudam os resíduos de cozimento nas cerâmicas e de consumo de alimentos para conhecer, por exemplo, o tipo de alimentação ou o processo culinário; se analizam os isótopos presentes nos ossos humanos para entender como se produz o processo de desmame de meninos e meninas nas distintas sociedades; se examinam os restos ósseos para determinar questões como o sexo, a idade, o tipo de trabalho realizado, as doenças, o esforço físico realizado… “em última análise, tanto de um ponto de vista teórico como metodológico há sem dúvida um avanço para a disciplina”.

Nesse tipo de trabalho científico se evidenciam as inquietudes de uma sociedade que cada vez mais busca argumentos para desconstruir estereótipos de gênero, gerados pelo homem.

Fonte: Saber Universidad

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