por Raquel Schwengber
A equipe de pesquisa da Espaço Arqueologia fez uma importante descoberta durante estudos realizados no sítio arqueológico Jaboticabeira 8, localizado no município de Jaguaruna, Santa Catarina.

Mais de quatro mil artefatos arqueológicos foram encontrados no local estudado. A análise de restos de carvão, provenientes de fogueiras domésticas, foi datado pelo laboratório Beta Analytics, na Flórida/EUA, e indicam que o sítio foi ocupado entre os anos de 1580 e 1610 da Era Cristã, período que, segundo os documentos históricos, corresponde à presença de Padres Missionários na região entre Laguna e Araranguá, no sul de Santa Catarina.
O arqueólogo Valdir Luiz Schwengber explica que uma equipe multidisciplinar de pesquisadores trabalhou com empenho em várias frentes para juntar o maior número de dados arqueológicos e documentais. “Essa pesquisa, que faz parte do licenciamento ambiental, compõe um consistente aporte interpretativo sobre este sítio arqueológico e traz novas contribuições para entender as ocupações do litoral sul catarinense”, avalia. O arqueólogo Raul Viana Novasco acrescenta que “pesquisas arqueológicas de cunho regional são fundamentais para a construção de um panorama histórico local menos eurocêntrico”. O pesquisador ainda afirma que “os dados obtidos permitem descortinar a presença e a agência das populações Guarani no processo de formação da região do litoral sul catarinense, os quais, na história tradicional, sempre foram tratados como coadjuvantes e vítimas de um processo de conquista”.
Foram encontrados, junto ao conjunto de cerâmica indígena Guarani, contas venezianas e fragmentos de botijas em grés. De acordo com o arqueólogo Jedson Cerezer, doutor pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Portugal, estes materiais têm características tecnológicas diferentes das dominadas pelos guaranis no sul do Brasil. A peça em grés, em especial, tem na composição da pasta um refinamento que necessita a queima em altas temperaturas, obtidas somente com o uso de fornos com câmaras de isolamento que permitem o controle de temperaturas e atmosferas. O mesmo é visto na conta veneziana, cujos processos de produção demanda de implementos e técnicas que, para o período, só havia na Europa e Ásia.
A identificação desses materiais comprova a existência de um sistema de trocas relatado pelos Padres Jesuítas em cartas escritas no ano de 1605. Segundo o arqueólogo e historiador Lindomar Mafioletti Júnior, a documentação histórica deste período é composta basicamente por crônicas enviadas pelos religiosos aos seus superiores, e, ao narrar suas experiências, produziram importante fonte de informações sobre os povos indígenas que habitavam o litoral sul do Brasil. Contudo, ainda de acordo com o historiador, tais documentos devem ser analisados de forma crítica, visto que são produto de um tempo e foram elaborados para justificar a manutenção dos religiosos e seus empreendimentos no Brasil.
Thiago Torquato, um dos pesquisadores responsáveis pelas análises de laboratório, diz que este é um sítio que surpreendeu pela quantidade de informações geradas. “Identificamos o processo de fabricação de adornos labiais do tipo Tembetá. Estes ornamentos estão ligados aos rituais de iniciação à maturidade sexual dos homens. Seu grande diferencial, foi a matéria-prima utilizada para sua fabricação, a resina extraída de árvores e desgastada em rocha de arenito, evidencias raras de serem identificadas arqueologicamente.“
Novo olhar
A tecnologia existente e o emprego de metodologia avançada oferecem aos pesquisadores a oportunidade de analisar diversos aspectos dos achados arqueológicos, suscitando novas interpretações e novos conhecimentos. Pesquisas realizadas sobre a cerâmica e o material lítico dos Guaranis demonstraram a permanência de uma tradição cultural que abrange todo o sul do Brasil. Ao mesmo tempo, novas funções estão sendo propostas para o material lítico encontrado. Um exemplo é uma peça que comumente é tida como um “amolador”, pode ter sido utilizada, na verdade, para produzir adornos em resina, conhecidos como “tembetás”. Grande quantidade de fragmentos que remontam entre si permite reconstruir vasilhas cerâmicas e por meio de análises morfométricas é possível estimar o número de habitantes do sítio.