De maneira geral, quando falamos de fezes tanto no registro Arqueológico quanto Paleontológico essas estruturas parecem pouco atraentes e em um primeiro momento, podem até parecer repugnantes. Mas para aqueles que se dedicam a estudar os coprólitos, elas são verdadeiras preciosidades do passado.
A história dos coprólitos
Coprólito de humano datando mais de 14.000 mil anos.
O termo coprólito foi proposto pelo paleontólogo Willian Buckland, em 1829. Naquela época, essas estruturas assim como, os restos fósseis de animais completamente diferentes dos encontrados na fauna atual, eram objetos misteriosos que despertavam interesse nos colecionadores e naturalistas que quando não coletavam, os adquiriam através de vendedores.
Os vendedores geralmente pessoas muito humildes, se arriscavam para coletar em meio a montanhas íngremes e perigosas e entre esses vendedores, estava à família de Mary Anning que depois da morte do seu pai, assumiu o negócio da família. Mary, não era apenas mais uma vendedora, ela era completamente fascinada pelos fósseis e gostava de estudá-los, fazia ilustrações e anotações de tudo o que encontrava.
Mary desconfiou de que as estruturas arredondadas que ela achava próximos a fósseis de Ichthyosaurus (um réptil marinho que ela descobriu com apenas 12 anos), poderiam ser fezes fossilizadas. Ela notou que, quando os coprólitos eram quebrados, às vezes eles continham fragmentos de ossos de peixes e escamas. Naquela época, mulheres não poderiam fazer parte da Sociedade Geológica e nem publicar artigos. Com isso, muitas das suas contribuições e descobertas foram omitidas (e foram muitas!).
Buckland também vinha desconfiando sobre a verdadeira natureza das chamadas “pedras de bezoar”, mas faltavam evidências que pudessem comprovar que essas estruturas eram fezes fossilizadas. Em meados de 1820, Buckland recebeu de Mary as evidências que precisava. Quando Buckland publicou um artigo sobre a verdadeira natureza desses fósseis e propôs o termo coprólito, ele reconheceu a contribuição de Mary Anning, dando crédito por suas deduções.
Esquecidos na gaveta
Por longos anos, essas estruturas foram deixadas de lado, até mesmo esquecidas nos armários dos museus ao redor do Mundo. Mas hoje, juntamente com o avanço de novas técnicas de analises, fica claro o seu potencial de revelar informações sobre o comportamento alimentar, sociabilidade, distribuição territorial e o ambiente em que viviam animais muito antigos no registro fóssil como, por exemplo, tubarões e os tão famosos dinossauros, mas também seres não tão antigos (em termos geológicos) como os hominínios.
Em 2013, Dentzien-Dias e colaboradores publicaram na revista PlosOne, a descoberta de ovos de tênia em um coprólito produzido por tubarão. O achado data 260 milhões de anos e foi encontrado no interior do Rio Grande do Sul.
Corprólito atribuído a um Tyrannosaurus. Analises histológicas dos fragmentos de ossos encontrados no interior do coprólito revelaram que o Tyrannosaurus havia predado um jovem dinossauro Ornitísquio (por Karen Chin, et al 1998).
Coprólitos Arqueológicos
Em 1985, Patrick Horne afirmou que os coprólitos, umas das “menos atraentes relíquias do ser humano”, estão ajudando os pesquisadores a compreender alguns aspectos ainda pouco claros sobre parasitismo e migrações humanas antigas. Horne não poderia estar mais correto, vejamos alguns exemplos de como essas estruturas vem fornecendo informações valiosas para a Arqueologia.
Analisando os tipos de resíduos presentes nos excrementos humanos antigos, podem-se recuperar informações sobre a paleoecologia. Resíduos como: pólen, sementes não digeridas, fibras, pequenos ossos, escamas, grãos de amido entre outros, revelam aspectos importantes sobre os alimentos utilizados, paleoclima, desenvolvimento agrícola e permitem inferências sobre dados culturais dos povos antigos.
Muito mais além de resgatar informações a nível alimentar, climática ou cultural através dos excrementos, podemos recuperar dados sobre a relação humano-parasita e especular sobre a antiguidade desta relação. Os parasitas encontrados nos coprólitos podem servir como verdadeiros marcadores biológicos, pois eles aportam subsídios para a compreensão de como evoluíram esses parasitas que ainda hoje infectam as populações. Assim, pesquisas sobre esses organismos não apenas ajudam os Arqueólogos a entender as populações humanas antigas, mas também, ajudam pesquisadores de outras áreas, que se dedicam a entender as adaptações que esses organismos sofreram ao longo do tempo e como eles se espalharam pelo mundo.
Grãos de pólen são tão pequenos que podem ser inalados acidentalmente ou também ingeridos juntamente com outras partes de plantas. Coprólitos de humanos que possuíam dieta rica em vegetais revelam grande variedade de pólen.
Em muitas culturas, as serpentes possuem um status simbólico e são incluídas em cerimonias e rituais antigos. Os pesquisadores acreditam que um humano ingeriu a serpente como parte de um ritual ou cerimônia antiga.
A tecnologia aliada a analise dos excrementos
Estudar esses vestígios arqueológicos por vezes, pode ser um verdadeiro desafio, pois o principal obstáculo é determinar a quem pertence às fezes que estão sendo examinadas. Quando pesquisadores estão trabalhando em áreas, onde humanos e outros animais viviam juntos e tinham dietas semelhantes como, por exemplo, os cães, pode ser muito difícil atribuir a quem o excremento pertencia.
Um estudo publicado recentemente na revista científica PeerJ, apresenta uma nova técnica que permite identificar a quem pertencia o coprólito. A técnica chamada CoproID (Identificação de coprólito), compara informações contidas nos coprólitos como fragmentos de DNA e diferentes colônias de microrganismos que viviam dentro de humanos e cães antigos com as informações contidas nas fezes de humanos e outros animais modernos.
Então, os coprólitos são ou não são verdadeiras preciosidades do passado?
Para saber mais
Clique no link para acessar o novo artigo sobre o método CoproID
Clique no link para acessar o artigo sobre os ovos encontrados no coprólitos de tubarão https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0055007
Clique no link para acessar o artigo sobre o coprólito de Tyrannosaurus https://www.nature.com/articles/31461?proof=true
Clique no link para acessar o artigo sobre os resíduos já encontrados em coprólitos humanos https://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1059&context=natresreinhard
Clique nos links para acessar mais textos disponíveis sobre os assuntos tratados aqui
A rainha dos coprólitos http://www.sciencepodcastforkids.com/single-post/2018/03/23/Dinosaur-Poop-Pt-2-The-Coprolite-Queen
Mary Anning, a caçadora de fósseis https://thesageonline.com/mary-anning-fossil-hunter/
Buckland, Anning e coprólitos https://blog.biodiversitylibrary.org/2015/10/uncovering-truth-about-fossil-feces.html
A descoberta de coprólitos ou fezes fósseis em Lias na Lyme Regis e em outras formações https://www.biodiversitylibrary.org/page/36239482#page/244/mode/1up
Mas que coprólito! https://www.blogs.unicamp.br/colecionadores/2012/11/03/coprolito/
Parasitas intestinais em humanos do passado: revisão e novas descobertas https://ww.scielo.br/pdf/mioc/v98s1/v98s1a16.pdf
Uma dieta perigosa! https://www.bbc.co.uk/newsround/48054884
Paleoparasitologia no Brasil https://www.scielo.br/pdf/mioc/v98s1/v98s1a16.pdf
Fezes antigas decifradas pela inteligência artificial https://www.thevintagenews.com/2020/04/25/ancient-poop/
[…] Coprólitos: São uma das relíquias menos atraentes dos humanos? […]