Por João Lucas
Oxalaia quilombensis é uma espécie de dinossauro terópode que habitou o que hoje chamamos de Ilha do Cajual, Maranhão, entre 100 e 94 milhões de anos atrás (Cenomaniano, Cretáceo Superior). Oxalaia era o que chamamos de maneira geral de espinossauro (nome dado os membros da família Spinosauridae) e está reconstruído abaixo (fig. 1).
Dada a detalhada reconstrução, alguns questionamentos emergem: como a paleontologia pode saber que os indivíduos dessa espécie eram assim? Encontraram um fóssil com esqueleto basicamente completo e bem preservado? Bom, abaixo (fig. 2) você pode ver o material com base no qual pesquisadores e pesquisadoras nomearam a espécie. Agora você deve estar se perguntando como é possível reconstruir tanto com base em tão pouco. Paleontologia é pura imaginação? Não, não é.
Analisando cuidadosamente a anatomia do material coletado na Ilha do Cajual, conclui-se que se trata das pré-maxilas (fig. 3) fusionadas. Em bom português, isso significa que é a ponta do focinho do bicho, vamos dizer assim. Em vista ventral (fig. 2D) ou dorsal (fig. 2C), é possível ver que esse focinho tinha uma expansão quase circular, que chamamos tecnicamente de roseta. Essa é uma característica dos espinossauros.
Em vista ventral (fig. 2D) é possível observar que há 7 pares de alvéolos, que são os encaixes para os dentes. Embora não haja dentes completos preservados, há alguns fragmentos, e se pode observar que não eram dentes comprimidos lateralmente como os de outros dinossauros terópodes. Além disso, nota-se que a seção transversal desses dentes era oval ou subcircular. Os espinossauros tem justamente dentes cônicos com seção transversal subcircular (fig. 4).
Assim, rapidamente podemos concluir com segurança que esse fóssil é de um espinossauro, um membro da família Spinosauridae.
Certo, até aí tudo bem. Mas como saímos desse pedaço para um bicho completo? Como se faz essa reconstrução? Ora, se pergunte: de maneira geral, como os espinossauros são? Como você já deve aprendido, cada grupo de seres vivos é formado por parentes próximos que são geralmente bastante similares entre si. E isso não é diferente com os espinossauros (fig. 5). Então, basta que a gente tenha alguns fósseis de espinossauro mais completos pra poder inferir como Oxalaia se pareceria aproximadamente!
Baryonyx walkeri e Suchomimus tenerensis são bons candidatos (fig. 6). E quando Oxalaia quilombensis foi descrita em 2011, nós já os conhecíamos há décadas! A gente não pode dizer que os Oxalaia eram exatamente como os Baryonyx ou os Suchomimus. Afinal, os Oxalia era parentes mais próximo de outros espinossauros (fig. 5), como Spinosaurus aegyptiacus e Irritator challengeri (outro espinossauro do nordeste brasileiro!). E apesar do parentesco próximo com os Spinosaurus (do qual o paleoartista autor do Oxalaia da figura 1 se aproveitou para colocar uma vela no dorso), também não se pode concluir que os Oxalaia necessariamente teriam uma cauda bizarra como eles. Não se forem mesmo espécies diferentes; há quem argumente, contudo, que Oxalaia na verdade é Spinosaurus, daí teríamos mesmo que colocar a cauda diferentona e a vela também. Mas o fato é que podemos desenhar, com base no parentesco e na anatomia e morfologia comparada dos espinossauros, um formato geral para Oxalaia!
Percebe? Não é puro achismo. Não somos fantasiosos, imaginativos e inescrupulosos. Quando reconstruímos bichos completos com base em fragmentos, na verdade estamos considerando diversos aspectos (inclusive muitos que eu omiti aqui pelo bem da simplicidade), como anatomia e relações de parentesco. Essa é uma abordagem cujos princípios remontam ao próprio Georges Cuvier e a aurora da paleontologia. Mas esse é outro assunto…
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Referências
Revisão sobre os espinossauros:
HONE, David William Elliott; HOLTZ JR, Thomas Richard. A century of spinosaurs‐a review and revision of the Spinosauridae with comments on their ecology. Acta Geologica Sinica‐English Edition, v. 91, n. 3, p. 1120-1132, 2017.
Descrição do Oxalaia quilombensis:
KELLNER, Alexander WA. et al . A new dinosaur (Theropoda, Spinosauridae) from the Cretaceous (Cenomanian) Alcântara Formation, Cajual Island, Brazil.An. Acad. Bras. Ciênc., Rio de Janeiro , v. 83, n. 1, p. 99-108, Mar. 2011 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0001-37652011000100006&lng=en&nrm=iso>. access on 02 Oct. 2020. https://doi.org/10.1590/S0001-37652011000100006.
Filogenia dos espinossauros:
ARDEN, Thomas MS et al. Aquatic adaptation in the skull of carnivorous dinosaurs (Theropoda: Spinosauridae) and the evolution of aquatic habits in spinosaurids. Cretaceous Research, v. 93, p. 275-284, 2019.
Sinonímia Oxalaia = Spinosaurus:
SMYTH, Robert SH; IBRAHIM, Nizar; MARTILL, David M. Sigilmassasaurus is Spinosaurus: a reappraisal of African spinosaurines. Cretaceous Research, p. 104520, 2020.
Nossa, é um texto bem explicativo! Eu tinha essa dúvida um tempo atrás mas mesmo assim vim aqui ver. Pra quem é leigo que nem eu, o trabalho de vocês vai ser sempre incrivelmente bizarro, no bom sentido. Como que você bate o olho em algo e sabe que é um osso de um animal que nem existe mais? Mas na verdade vocês não olham só os ossos, tem um estudo gigantesco por detrás disso… olha, incrível. Parabéns!!!