Você já deve ter visto alguma notícia sobre fósseis que foram levados do seu país de origem ou mesmo devolvidos para ele. Esse processo de devolução leva o nome de “repatriação”, que quer dizer retornar ao local de origem. Recentemente, houve uma repatriação de fósseis brasileiros que haviam sido contrabandeados e comercializados ilegalmente na França. O material encontrado inclui cerca de 34 caixas com os mais variados exemplares. Além desse caso que teve ampla repercussão, outro fóssil gerou uma grande discussão sobre tráfico, comércio e repatriação de fósseis ao redor do mundo. É o caso do Ubirajara jubatus, terópode encontrado na região da Bacia do Araripe, que foi levado de forma ilegal para a Alemanha e permanece guardado no Museu de História Natural de Karlsruhe. Mas por que tanta polêmica por trás da exportação e comércio de fósseis? Vem comigo, que no caminho eu te explico!
Em 04 de Março de 1942, foi sancionado o decreto-lei nº4.146 que determina que os sítios fossilíferos sejam propriedade da Nação. No código penal, de acordo com os artigos 163 e 180, respectivamente, está prevista detenção – que varia de seis meses a quatro anos e/ou multa – para quem danificar, adquirir (para si ou para terceiros), bem como exportar e comercializar fósseis. Além disso, a lei nº 8.176 de 08 de Fevereiro de 1991, conhecida como “Lei da Usurpação”, no seu Artigo 2º, criminaliza a exploração de matéria-prima pertencente à União, sem que haja autorização legal para isto. Neste caso, é necessária autorização emitida pela Agência Nacional de Mineração (ANM) que antigamente era conhecida como Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). E a lei de crimes ambientais, nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998, protege o patrimônio natural, incluindo fósseis e sítios fossilíferos, uma vez que estes são considerados Bens Culturais. Já deu para perceber que há forte amparo legislativo sobre a riqueza fossilífera existente no Brasil, não é mesmo? Mesmo protegidos por leis, os fósseis brasileiros continuam sendo alvo de contrabando e comércio ilegal.
A grande questão é que, como os fósseis são achados únicos, raros – e muito lindos, diga-se de passagem – isto ascende aos olhos de muitos colecionadores e até mesmo de pesquisadores sedentos por publicações que corram o mundo e lhes confiram status perante a sociedade e o ambiente acadêmico. Imagina você ter em casa um exemplar de algum fóssil que não é encontrado no seu país? Ou então, imagina encontrar na Internet um fóssil à venda que vai render um belíssimo artigo científico em uma revista renomada? Tentador, porém criminoso. O mercado clandestino de fósseis acaba se tornando uma ampla fonte de alimentação para quem coleciona material advindo de tráfico e a pesquisa local acaba permanecendo cheia de lacunas que poderiam ter sido preenchidas por aqueles exemplares roubados. No Brasil, a região da Bacia do Araripe, que fica localizada na divisa do Piauí, Ceará e Pernambuco, chama a atenção dos traficantes de fósseis, por ser considerado um sítio extremamente rico, com fósseis muito bem preservados, podendo ser encontrados até exemplares com tecido mole preservado – o que é muito raro.
Com materiais sendo leiloados pelo preço de uma casa (sem exageros), a comercialização ilegal de fósseis movimenta muito dinheiro e prejudica o desenvolvimento científico nacional. Estima-se que haja, pelo menos, 90 holótipos brasileiros fora do país. E os trâmites legais para trazê-los de volta demoram anos. É o exemplo de uma denúncia feita em 2013, pela bióloga Taissa Rodrigues após encontrar um leilão virtual de um exemplar de pterossauro brasileiro, ocorrido na França. De lá para cá, somente em 2019 foi acertado o processo de repatriação do fóssil. No entanto, a denúncia culminou na devolução de quase 1000 exemplares e ocorreu somente agora, quase 10 anos após a denúncia.
Ao passo que houve ampla comoção apoiando a repatriação do U. jubatus e do Anhaguera santanae, muitos brasileiros defendem o tráfico de fósseis para o exterior, utilizando-se de argumentos como o de que eles estariam mais protegidos no exterior, em decorrência do incêndio ocorrido no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em setembro de 2018. No entanto, além de existir muitos outros museus bem equipados, com grande potencial para armazenar itens históricos, o exterior não está livre de sofrer perdas de acervo por conta de catástrofes ambientais e antrópicas. Somente em 2013, houveram incêndios de grandes proporções nos museus de Londres (Museu Cuming), Dinamarca (Museu da Resistência Dinamarquesa) e na Itália (Complexo Cidade da Ciência). Em agosto de 2015, o maior museu de Ciências da Europa, localizado em Paris, conhecido como “A Cidade das Ciências e da Indústria” foi destruído por um incêndio. No mesmo mês, também foi destruído por um incêndio o Museu Ringve, na Noruega.
Ou seja, museus do exterior não são – necessariamente – melhores e mais seguros do que os existentes aqui no país e não estão livres de sofrer algum dano, seja por catástrofe natural ou antrópica. Este argumento só contribui mais ainda para a desvalorização da Ciência no Brasil e para que mais e mais fósseis sejam retirados ilegalmente de seu local de origem. Por este e tantos outros motivos, é importante que a população conheça os museus nacionais e regionais e valorize a pesquisa que é feita de forma ímpar nas instituições de ensino presentes bem aqui, pertinho de nós. E que fique claro: Ubirajara pertence ao Brasil!
Referências:
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.146, de 4 de março de 1942. Dispõe sobre a proteção dos depósitos fossilíferos. DECRETO-LEI Nº 4.146, DE 4 DE MARÇO DE 1942., Brasília, DF, 4 mar. 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
BRASIL. Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991. Define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis. LEI Nº 8.176, DE 8 DE FEVEREIRO DE 1991., Brasília, DF, 8 fev. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8176.htm
BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Lei dos Crimes Ambientais. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm
[…] Apesar do grande potencial, o Brasil tem dificuldades para preservir seus fósseis. Há poucos museus de paleontologia e muitos fósseis não estão bem guardados17. O comércio ilegal de fósseis também é um grande problema, com casos como a repatriação de 1000 espécimes da França em 201918. […]
[…] A importância de manter os fósseis em seu país de origem – Arqueologia e Pré-História – https://arqueologiaeprehistoria.com/2022/06/27/a-importancia-de-manter-os-fosseis-em-seu-pais-de-ori… […]