Por Caio Guedes
Em 1985 um mergulhador profissional, chamado Henri Cosquer, se aventurava pelos Calanques de Morgiou (próximo a Marselha, na França). Em um de seus mergulhos, ele se encontrava a 37 metros de profundidade, quando ao acaso (e para sua surpresa) encontrou uma caverna. O que ele não imaginava é que ao atravessar um túnel de cerca de 175 metros existia um local repleto de pinturas e incrustações, indicando a presença de humanos nesse local aparentemente inóspito.
Henri só encontrou as pinturas em 1991, declarando imediatamente ao Departamento de Pesquisas Arqueológicas Subaquáticas e Submarinas (DRASSM) do Ministério da Cultura da França. Dentre estas, encontram-se pinturas de mãos vermelhas e pretas, sinais geométricos e ilustrações de 13 espécies diferentes de animais, como bisões, cavalos, ursos, focas e araus (que são aves semelhantes aos famosos pinguins do hemisfério sul), testemunhando a diversidade de animais que viviam naquela região.
Com o início das pesquisas na caverna, foram feitas datações por carbono-14 que indicaram duas grandes fases, quase ininterruptas, de visitas à caverna, de 33.000 anos atrás a 19.000 anos atrás.
No entanto, essas descobertas criam duas grandes dúvidas em relação à Caverna de Cosquer: como era possível que humanos visitassem essa caverna submersa a 37 metros de profundidade e como seria possível que esses humanos convivessem com animais característicos de ambientes frios, como as focas e os araus, no Mediterrâneo?
A resposta é a mesma para as duas dúvidas: as grandes glaciações do Pleistoceno.
O Pleistoceno é a Época do Período Quaternário que precede o Holoceno (que vivemos atualmente). Ele se estende desde 2.5 milhões de anos atrás a aproximadamente 11.7 mil anos. Essa Época ficou marcada pela ocorrência de grandes glaciações. Portanto, entre 33 mil anos e 19 mil anos, que é o período de visitações da Caverna de Cosquer por humanos, o clima na Terra passava por um período glacial frio. Nesses momentos de clima frio na Terra, a água é transferida da hidrosfera para a criosfera (elementos do sistema climático terrestre contendo água em estado sólido). Logo, ocorre um aumento do volume de gelo marinho e mais neve cai nos continentes durante o inverno do que derrete no verão. Isso faz com que o volume e a área das calotas de gelo polar aumentem e o volume dos oceanos diminua. Essa diminuição provoca um declínio no nível do mar, expondo áreas das plataformas continentais que normalmente estão submersas.
Isso explica a visita de humanos à Caverna de Cosquer. Entre 33 mil anos e 19 mil anos atrás, o nível do mar era muito mais baixo que o atual. Com isso, a entrada da caverna estava exposta e fazia parte do continente, permitindo a livre passagem e entrada dos nossos antepassados. Além disso, o período glacial vivido nessa época também explica o aparecimento de animais típicos de regiões polares no local, já que o clima naquela época possibilitava temperaturas muito baixas e a consequente expansão do habitat frio desses animais.
O aquecimento global, e a consequente subida do nível do mar, é uma grande ameaça ao local. Desde o final da última glaciação a subida da água já provocou a inundação de 4/5 da caverna. O 1/5 restante continua ameaçado pelo constante avanço do nível do mar. No entanto, têm sido desenvolvidos projetos que visam a conservação da caverna e sua exploração turística (consciente). Em 4 de julho de 2022 foi aberta ao publico a réplica da Caverna de Cosquer, na Villa Méditerranée, em Marselha. Nela, é possível reconstruir os passos de Henri Cosquer na descoberta da caverna e experienciar um passeio na sua réplica fiel.
REFERÊNCIAS E MATERIAIS ADICIONAIS
Ehlers, J. & Gibbard, P. 2008. Extent and chronology of Quaternary glaciation. Episodes Journal of International Geoscience, 31(2), 211-218.