Antes de adentrarmos na Paleoicnologia é interessante entendermos primeiro, o que é a Icnologia. A icnologia é uma Ciência que investiga traços de atividades produzidas por um organismo em um determinado momento de sua vida. Alguns exemplos dessas atividades são: construção de tocas e ninhos; marcas de trilhas, pegadas, alimentação, e também, vestígios ligados ao metabolismo como, casca de ovos, fezes, vômitos, dentre outras atividades.
Essa ciência costuma ser subdividida em Neoicnologia (que estuda as atividades produzidas por organismos atuais) e Paleoicnologia (que estuda os traços de atividades produzidas por organismos extintos).
Na paleontologia, muitas vezes, estudar esses vestígios não é visto com muito glamour, diferentemente do que estudar, por exemplo, um osso isolado, um crânio, ou um esqueleto completo! No entanto, esses vestígios (que chamamos de icnofósseis) podem fornecer diversas informações que, por vezes, não se preservariam nos ossos (que chamamos de somatofósseis ou fósseis corporais).
Além disso, cada vez que olhamos para um fóssil quase completo e bem preservado, é difícil imaginar por quantos processos o cadáver passou e resistiu antes de virar um belíssimo espécime (imagine que para ele estar ali, quase inteiro diante dos nossos olhos, ele teve que sofrer quase zero decomposição, ser soterrado, sofrer processos de diagênese). Por mais que a gente conheça vários fósseis, o processo de fossilização é extremamente raro e difícil de acontecer, porque depende de uma série de condições.
Outro problema é que, o organismo quando morre deixa apenas seus ossos para contar sua história (lembre-se que pode ou não virar um fóssil). No entanto, os traços, os vestígios das atividades desse organismo são produzidos ao longo de toda a sua vida!
Investigando estes icnofósseis, nós podemos entender o comportamento dos organismos e responder muitas perguntas, como por exemplo: Como viveram? O que comiam? Como se relacionavam com outras espécies?
Estudar os traços fósseis lembra bastante o trabalho de um detetive, pois através deles, nós podemos resgatar informações ligadas ao comportamento de um organismo, reconstruir paleoambientes e entender relações ecológicas do passado.
Vejamos alguns exemplos de icnofósseis:
Pegadas
Um tipo de icnofóssil mais bem conhecido e talvez, um dos mais antigos a serem estudados são as pegadas. As pegadas podem revelar o formato básico dos pés, o número de dedos, o que muitas vezes, podem ajudar a identificar o animal que as deixou. Além disso, podem indicar o ambiente em que viveram, como se movimentavam, o peso e a velocidade do animal e também, podem revelar outros registros excepcionais como distribuição do tecido mole e textura da pele e comportamento social.
Maravilhoso, não?
Tocas
Imagine poder estudar a casa de animais pré-históricos…
As tocas são estruturas que foram cavadas pelos animais como estratégia para fugir e confundir seus predadores, proteger seus filhotes, se resguardar das adversidades climáticas, entre outras. Através do seu estudo, nós podemos recuperar informações como estas e também, entender o que levou esses animais a adquirirem o hábito cavador e ainda, desvendar a relação de sociabilidade dos animais que as produziram.
[Talvez as paleotocas mais conhecidas (ao menos no Sul do Brasil) sejam as construídas pelos tatus e preguiças gigantes].
Ovos
Tanto ovos inteiros, como apenas fragmentos de cascas aportam dados sobre a dinâmica do crescimento e das estratégias de vida. A casca (proteção externa enrijecida) é a que geralmente se preserva, mas às vezes os paleontólogos são contemplados com a existência de estruturas quase inacreditáveis que poderiam se preservar como a pele e até mesmo os fetos em desenvolvimento.
Inclusive, quando há a presença de restos corporais preservados dos indivíduos dentro dos ovos, especula-se se seriam mesmo icnofósseis ou somatofósseis. Podemos considerar que, eles são os dois ao mesmo tempo, pois como os ovos foram produzidos por um indivíduo, podemos dizer que eles são icnofósseis da mãe, enquanto os indivíduos em formação dentro dele são somatofósseis.
Fezes
Possivelmente este é o icnofóssil menos glamouroso [mas, lembre-se que, ainda temos vômito (regurgilito) e urina (micturalito) que podem se preservar], embora muitas vezes os coprólitos geram certa repulsa, eles são os icnofósseis mais bem abundantes no registro e estudados (apenas perdendo para as pegadas). Em um primeiro momento, eles podem parecer um tanto desagradável, mas estudar eles é como ter uma chave que abre a porta para o passado e nos mostra como e do que os animais se alimentavam. A partir deles, é possível resgatar dados sobre a fisiologia do animal, parasitismo, o comportamento, o ambiente em que ele foi depositado, eles são tão excepcionais que podem gerar informações a níveis tróficos e até mesmo preservar outros icnofósseis! Para saber mais sobre os coprólitos acesse nosso post.
Os icnofósseis são importantes peças do quebra-cabeça da vida e nos ajudam a preencher muitas lacunas do passado. Então, eles são ou não mesmo formidáveis?
Para saber mais
Coprólitos: São uma das relíquias menos atraentes dos humanos?
Paleontologia na Sala de Aula. Marina Bento Soares (org)
Dinosaurs Without Bones- Anthony Martin. 460p.
Icnologia. Ismar Souza Carvalho e Antonio Carlos Sequeira Fernandes. 177p.