por Lara Passos
Quando falamos de pré-história, não é raro que o senso comum leve a imaginação das pessoas a grupos de homens muito peludos caçando ursos e morando em cavernas, vivendo aventuras de caçadores selvagens. São sempre adultos fortes e saudáveis que pintam, fazem armas, buscam comida, produzem fogo, inventam tecnologias, agem e existem. Mas onde colocamos as mulheres nessa história? Quando (isso se) aparecem, ficam restritas a esfera doméstica, cozinham, costuram, fazem potes, cuidam das crianças. Qualquer semelhança com o modelo familiar do começo do século 20 de homem provedor e mulher dona de casa não é mera coincidência.
Muitas dessas paleofantasias foram criadas a partir de exercícios de adivinhações acadêmicas (isso mesmo, especulações dos cientistas!) numa tentativa de transferir ao passado uma lógica de divisão de gênero espelhada no antigo testamento, e nos comportamentos ‘esperados’ por homens e mulheres. Isso serviria para justificar a composição hierárquica existente nos períodos históricos, “afinal de contas, não foi sempre assim?”.
Pesquisas no ramo da arqueologia de gênero vêm para mostrar que pode não ter sido assim. Diversos trabalhos já foram feitos apontando a participação ativa das mulheres (e das crianças) nas sociedades pré-históricas, sendo também caçadoras, pintoras, agentes participantes da dinâmica interna destes grupos e tão responsáveis por sua manutenção quanto os homens.
Mas como saber o que de fato aconteceu há tantos anos atrás?
Trabalhos como “Engendering Archaeology” de Joan Gero e Margaret W. Conkey, “Manifesting Power” de Tracy L. Sweely, bem como os livros “Historical Archaeology of Gendered Lives” de Deborah Rotman; e “O Sexo invisível”, de J.M. Adovasio, Olga Soffer e Jake Page, tratam sobre gênero e poder nas sociedades antigas, da participação da mulher na pré-história e em contextos históricos, apresentando debates em torno da temática e apontando os machismos do fazer arqueológico.
No cenário da pesquisa nacional, temáticas relacionadas a gênero, mulher, sexo e feminismo aparecem em cerca de meia centena de textos produzidos no país desde 1990 (dados levantados a partir da pesquisa para o projeto Saia Justa da Arqueologia Brasileira: Mulheres e feminismos em apuro bibliográfico), por nomes importantes da prática arqueológica no Brasil como Tânia Andrade Lima, Irmihild Wust, Loredana Ribeiro e Sheila Mendonça de Souza.
As pesquisas de gênero e pré-história ainda são poucas e bem limitadas, justamente pelas dificuldades práticas do material de análise: os vestígios que poderiam fornecer uma gama maior de informações sobre o assunto geralmente encontram-se em pior estado de conservação. As análises feitas podem não ser plenamente conclusivas, mas, novamente, todas as coisas passam pelas especulações dos cientistas. Porque é fácil e aceitável inferir que homens produziam pontas de flecha e lanças, mesmo sem confirmações empíricas, mas para levantarmos a hipótese de terem sido mulheres, precisamos de provas concretas?
Mais do que respostas prontas, a arqueologia de gênero na pré-história nos convida a fazer perguntas. Por que não mulheres? O que nos impede de imaginá-las em atividades diversas, autônomas e em posições de liderança?
Lara Passos
Bacharel em Antropologia com habilitação em Arqueologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestranda em Antropologia com habilitação em Arqueologia pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia PPGAN – UFMG. Trabalha nas áreas de Antropologia e Arqueologia, com ênfase em arqueologia do Gênero, arqueologia feminista, decolonialidade e negritude.
Redes sociais: Facebook e Instagram
Links para saber mais:
Arqueologia e Pré-História – Arqueologia, uma ciência disposta a desconstruir estereótipos de gênero
Arqueologia e Pré-História – Onde estavam todas as mulheres na Pré-História?
Arqueologia e Pré-História – Arqueologia de Gênero
Arqueologia e Pré-História – Havia igualdade entre os primeiros homens e mulheres, dizem os cientistas
Arqueologia e Pré-História – A vida secreta de um(a) arqueólogo(a): terra no sanduíche e sexismo nos sítios
Mulheres na História – Mulheres na Pré-História
G1 – Mulheres pré-históricas eram mais fortes que campeãs de remo atuais
UOL – Homens e mulheres pré-históricos tinham princípios igualitários, diz estudo
Brasil Escola – O cotidiano da mulher na Pré-História
Dicas de leitura:
SOFFER, Olga. ADOVASIO, James M. PAGE, Jake. 2006. O sexo invisível. Rio de Janeiro, Record.
PASSOS, Lara P. 2017. DA BEIRA AO FUNDO: uma análise bibliométrica feminista da arqueologia brasileira a partir de dois estudos de caso. Monografia. Belo Horizonte, UFMG.
RIBEIRO, Loredana; SILVA, Bruno. S. R.; SCHIMIDT, Sarah. K. S.; PASSOS, Lara. P. 2017. A Saia Justa da Arqueologia Brasileira: mulheres e feminismos em apuro bibliográfico. Revista Estudos Feministas, 25 (3): 1093-1110
Você pode me dizer a fonte que voce usou pra colher essas informações? eu agradeceria muito!