Descoberto o mais antigo centro urbano na Amazônia

Por: Victor Guida

Por muito tempo se acreditou que não existiram no passado grandes centros urbanos na região amazônica, principalmente devido ao solo naturalmente pobre em nutrientes. Entretanto, ao longo dos anos, pesquisas arqueológicas trouxeram evidências de assentamentos urbanos densos, de altas concentrações de plantas domesticadas e de solo rico em nutrientes que foi preparado por humanos.

Então, no dia 25 de maio deste ano, uma pesquisa publicada na revista Nature revelou a existência de um centro urbano de baixa densidade na Amazônia boliviana, o primeiro assentamento do tipo já encontrado nas planícies tropicais da América do Sul. Esse centro urbano localizado em Llanos de Mojos, na Bolívia, pertence à cultura agricultora Carasabe, que ocupou cerca de 4.500km² dessa região entre os anos 500 e 1.400 d.C.

Antes de continuar, é importante destacar que Llanos de Mojos é uma região no norte da Bolívia composta por florestas, pastos e savanas e que se estende por aproximadamente 126.100 km². Nela já foram encontrados vestígios de diversos grupos culturais pré-colombianos que datam desde 10.000 anos atrás.

Bacia Amazônica boliviana. Foto: Samuel M Beebe, Ecotrust

Voltando para o achado, foi a partir do uso da tecnologia de sensoriamento remoto conhecida como Lidar, que utiliza feixes de laser para gerar uma imagem tridimensional do terreno alvo, que pesquisadores conseguiram documentar detalhadamente 26 locais de assentamento (dentre as centenas identificadas em pesquisas anteriores), os quais estão conectados por 957km de canais aquíferos e caminhos suspensos.

Dois desses assentamentos se destacam pela sua monumentalidade: Cotoca, com 147 hectares, e Landívar, com 315 hectares, ambos apresentando grandes estruturas de terra, incluindo pirâmides, de mais de 20 metros de altura. Cotoca e Landívar eram centros regionais primários com uma grande área de influência (cerca de 500km² no caso de Cotoca).

Imagem de Lidar do sítio Cotoca. Fonte: Prumërs et al., 2022

Também foram encontrados assentamentos menores com o mesmo padrão de estruturas e em escala menor. Eles são classificados entre centros secundários e quaternários, a depender da sua área de extensão, e se conectam aos primários por meio de canais aquíferos e caminhos suspensos. Os canais aquíferos também conectam os rios e lagos a todos os centros.

Para se ter uma ideia da disposição geográfica desses sítios, os pesquisadores relatam que na área de 4.500km² há em média cerca de 10 centros (entre primários e terciários) dentro de um raio de 10km de cada assentamento. Isso demonstra a grande densidade desse centro urbano da cultura Carasabe.

A infraestrutura de gerenciamento de água (ex.:canais e reservatórios) e os vestígios de agricultura sustentável (que apontam para plantios de diversas espécies) demonstram que esse centro urbano em Llanos de Mojos foi intensamente utilizado pela cultura Carasabe por todo o período de ocupação.

Por fim, a descoberta desse importante centro urbano pré-colombiano demonstra a importância de se preservar a região amazônica (e o meio ambiente como um todo), visto que sítios arqueológicos têm sido destruídos com o aumento do desmatamento pelas indústrias madeireira e agropecuária.

O conhecimento sobre os diferentes modos de vida de populações antigas serve não apenas para manter a memória e história desses povos vivas, mas também para nos auxiliar a desenvolver e/ou redescobrir formas de viver em harmonia. Essa harmonia faz referência tanto à vida em sociedade, como aplicação de políticas públicas que permitem cidadãos a terem acesso a direitos básicos, quanto ao meio ambiente, como as práticas sustentáveis de uso do solo. Portanto, proteger o patrimônio cultural e arqueológico é fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

Para saber mais:

Ambiente Brasil. Sítios arqueológicos da Amazônia correm risco de desaparecer. (16/09/2008) Disponível aqui

Kreier, Freda. ‘Mind blowing’ ancient settlements uncovered in the Amazon. Nature News (25/05/2022). Disponível aqui

Lombardo U, Szabo K, Capriles JM, May JH, Amelung W, et al. (2013). Early and Middle Holocene Hunter-Gatherer Occupations in Western Amazonia: The Hidden Shell Middens. PLOS ONE 8(8): e72746. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0072746

Prümers, H., Betancourt, C.J., Iriarte, J. et al. (2022). Lidar reveals pre-Hispanic low-density urbanism in the Bolivian AmazonNature . https://doi.org/10.1038/s41586-022-04780-4

Prümers, H. & Jaimes Betancourt, C. (2014). 100 años de investigación arqueológica en los Llanos de MojosArqueoantropológicas 4, 11–53 .

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