Texto: JuCa
Dois anos atrás o arqueólogo estadunidense Stuart Fiedel publicou um artigo na revista científica internacional PaleoAmerica, discutindo a possibilidade de que macacos poderiam ter produzido as pedras lascadas mais antigas conhecidas na região da Serra da Capivara. Naquele artigo, Fiedel havia apontado as novas descobertas paleontológicas de fósseis de espécies de macacos já extintos na América do Sul, e apontou a possibilidade destes macacos terem sido os responsáveis pela produção das peças de pedra lascada encontradas nos níveis datados em 40 mil anos no sítio arqueológico Boqueirão da Pedra Furada.
Na ocasião desta publicação, entramos em contato com o arqueólogo italiano Dr. Fabio Parenti, atual diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológica, da Universidade Federal do Paraná, que foi o primeiro pesquisador a realizar uma análise detalhada dos artefatos de pedra lascada daquele sítio arqueológico. Durante mais de duas décadas, Parenti defendeu a hipótese de que o continente americano já era ocupado por humanos por pelo menos 35 mil anos antes da cultura Clovis emergir na América do Norte. Após a publicação de Fiedel, Parenti reconheceu que a possibilidade sobre macacos já extintos não deve ser excluída. “Essa possibilidade deve ser levada em conta, 20 anos atras não era conhecido”, disse Parenti. Tanto Parenti quanto Fiedel concordam que as pedras lascadas dos níveis mais antigos, apesar de serem produtos de um lascamento muito simples, não eram geofatos produzidos pela queda natural de seixos, na cachoeira próxima, uns sobre os outros e que seriam naturalmente transportados para dentro do abrigo. Esta ideia foi bastante discutida por arqueólogos, principalmente estadunidenses, que não aceitavam a possibilidade de seres humanos na América do Sul em datas mais antigas do que Clovis. No entanto, Parenti notou que “os macacos são muito mais perigosos, pois andam para dentro do abrigo, o que a cachoeira não faz”.
Apesar das décadas em que defendeu que as peças lascadas da Pedra Furada de 40 mil anos eram resultados de um lascamento feito por humanos, Parenti agora repensa sobre essa possibilidade. Estes fatos que agora são conhecidos levaram Parenti e colaboradores a realizarem um levantamento sobre o que a ciência já conhece em relação a primatas e a produção de instrumentos, e uma comparação entre a complexidade dos artefatos comprovadamente produzidos por macacos, os seixos lascados pela cachoeira e os artefatos lascados da Pedra Furada, além de um estudo sedimentológico e estratigráfico do sítio. O artigo recentemente publicado no periódico científico Quaternaire apresenta os resultados desta pesquisa.
No artigo, Parenti e seus colaboradores concluíram que diversas peças analisadas do sítio Pedra Furada são mais complexas do que aquelas produzidas por primatas não-humanos, o que fortalece a hipótese de que a região já era habitada por seres humanos há pelo menos 40 mil anos. No entanto, os autores notam que, mesmo assim, a possibilidade de que macacos já extintos tenham sido responsáveis pela produção dos artefatos não pode ser descartada. De acordo com os autores “é hora de construir uma estratégia de pesquisa bem fundamentada incluindo humanos e primatas não-humanos a fim de obtermos um entendimento completo do passado cultural e das adaptações ecológicas nas terras baixas Sul-Americanas”.
O sítio Pedra Furada, assim como outros sítios da região continuam sendo estudados e escavados por outros pesquisadores, sob coordenação do arqueólogo francês Dr. Eric Boëda, que também defendem a hipótese de que a região é ocupada há 40 mil anos por humanos. Resta aguardar a divulgação das novas evidências sobre fogueiras e ossos de megafauna extinta ainda não publicadas.
Para saber mais sobre o assunto:
Artigos científicos citados na matérias:
PARENTI, Fabio; CANNELL, Alan; DEBARD, Evelyne; FAURE, Martine & OKUMURA, Mercedes. 2018. Genesis and taphonomy of the archaeological layers of Pedra Furada rock-shelter, Brazil. Quaternaire, vol. 29/3: 255-269.
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