Pesquisadores encontram evidência de ocupação humana nas Américas entre 22 e 21 mil anos atrás

Por Enrico Di Gregorio

O White Sands National Park (WHSA), localizado no Novo México, Estados Unidos, é um parque nacional com um vasto registro sobre a pré-história da região. No ano passado, foi descoberta uma trilha de pegadas que revelava importantes interações paleoecológicas entre os seres humanos pré-históricos e a megafauna (matéria sobre esse estudo no nosso site: https://arqueologiaeprehistoria.com/2020/10/20/maior-trilha-de-pegadas-humanas-do-pleistoceno-tardio-revela-importantes-interacoes-paleoecologicas/). Dessa vez, pesquisadores encontraram mais trilhas de pegadas arqueológicas no parque. Dessa vez, foi outro fator de importância (e não a associação com megafauna) que colocou a descoberta em destaque: essas pegadas foram datadas entre 22.8 e 21.13 mil anos atrás.

Mas por que essa descoberta é importante? Durante muito tempo, a hipótese vigente sobre a ocupação das Américas foi a conhecida como “Clovis First”, ou “Clovis primeiro”. Essa hipótese defendia, principalmente, que a primeira ocupação humana nas Américas teria ocorrido entre 13.2 e 12.9 mil anos atrás, por uma população de caçadores de mamutes que produziam grandes pontas de lança de pedra lascada. A indústria e cultura arqueológica dessa população ficou conhecida como “Pontas Clovis” e “Cultura Clovis”. Apesar disso, outras hipóteses começaram a surgir ao passar do tempo, conforme novas evidências de ocupações anteriores à Clovis eram descobertas em todo o continente americano. Para um debate mais extenso sobre a ocupação das Américas, checar as matérias “A ocupação do continente americano à luz dos novos dados genéticos e o sensacionalismo midiático” e “Evidência genética australo-melanésia em grupos nativos da América do Sul”, aqui no Arqueologia & Pré-história.

De volta à descoberta do White Sands National Park, vemos agora que essa evidência se soma à uma gama de outras evidências (ex.: Monte Verde, Serra da Capivara, Monte Elina, Caverna de Chiquihuite, Abrigo de Meadowcroft e outros) que corroboram para uma ocupação humana pré-histórica de Lagoa Santa bem mais antiga do que antes se pensava pelos defensores da ideia de Clovis primeiro. Essa descoberta também soma à lista de evidências que corroboram para a presença de humanos no continente americano durante o Último Máximo Glacial, período de maior extensão das geleiras no último período glacial, entre 26.500 e 20.000-19.000 anos atrás. Mas sobre o que se trata essa descoberta, exatamente?

Trilhas de Pegadas no White Sands National Park. Fonte: Bennet et al, 2021.

Os pesquisadores do WHSA descobriram um total de 61 trilhas de pegadas humanas nas superfícies estudadas do WHSA. As pegadas foram encontradas em sedimentos lacustres (isto é, sedimentos de ambientes de lagos), do Lago Otero, hoje já seco, mas que servia como um corpo de água perene para a região entre 36 e 19 mil anos atrás. É pensado, entretanto, que eventos climáticos da época, teriam levado à uma mudança na sedimentação e a um evento de seca. Esse evento de seca teria exposto algumas margens do lago, por onde animais da megafauna e seres humanos fizeram a sua travessia, deixando registradas suas pegadas. As pegadas estudadas contavam, inclusive, com a marca do dedão um pouco mais “alongada”, atribuída pelos pesquisadores a pequenos deslizes do pé no sedimento escorregadio.

            A maioria das pegadas foi atribuída a crianças e adolescentes, enquanto pegadas de adultos eram mais raras. Essa diferença de frequência pode estar relacionada a divisão do trabalho, segundo os pesquisadores. Enquanto os adultos ficavam envolvidos em tarefas mais especializadas, as crianças e os adolescentes eram atribuídos a tarefas como “coletar e carregar”, deixando uma dispersão de pegadas maiores.

            A datação foi feita a partir de sementes de uma planta aquática, que deu o resultado das datas calibradas entre 22.86 e 21.13 mil anos atrás. Os pesquisadores rejeitam qualquer tipo de contaminação nas datas. O mais comum que poderia ter ocorrido, o efeito reservatório, que geralmente ocorre em ambientes marinhos e aquáticos devido ao carbono antigo que tem nesses corpos de água e acaba contaminando as datações, também foi descartado pelos autores. Isso porque os pesquisadores tomaram precauções e usaram métodos para verificar a contaminação, como comparar as datações das plantas aquáticas com datações extraídas dos sedimentos terrestres e também extrair a datação de uma sequência dessas sementes, às vezes separadas por centímetros de distância. As datas mostraram uma sequência robusta entre 23 e 20 mil anos atrás, demonstrando a robustez do achado e da pesquisa.

            Nesse sentido, a recente descoberta coloca o contexto do White Sands National Park ainda mais em destaque, somando às outras importantes evidências já descobertas na região. A publicação ainda entra para a lista de destaque de evidências que corroboram para uma antiga ocupação do continente americano. E no caso desse estudo, para uma presença humana nas Américas durante o Último Máximo Glacial.

Para ler o artigo original:
Bennet, M.R. et al. 2021. Evidence of humans in North America during the Last Glacial Maximum. Science, 373(6562), pp. 1528-1531.

Para ler outras matérias no nosso site sobre o WHSA ou
https://arqueologiaeprehistoria.com/2020/10/20/maior-trilha-de-pegadas-humanas-do-pleistoceno-tardio-revela-importantes-interacoes-paleoecologicas/
https://arqueologiaeprehistoria.com/2018/11/09/a-ocupacao-do-continente-americano-a-luz-dos-novos-dados-geneticos-e-o-sensacionalismo-midiatico/
https://arqueologiaeprehistoria.com/2021/04/05/evidencia-genetica-australo-melanesia-em-grupos-nativos-da-america-do-sul/

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