Cultura e comunicação entre os macacos

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Juvenis e fêmea de macaco japonês. M. PELE; C. SUEUR/IPHC/CNRS PHOTOTHEQUE.

Traduzido por Marcos Paulo Ramos e Daniela Ortega

Vários trabalhos recentes confirmam que o Homo sapiens está longe de ser o único primata a florescer em cultura e comunicação. Dominar uma semântica, transmitir sua cultura ou organizar suas redes sociais não é mais privilégio dos macacos nus.

O Homo sapiens observa sem cessar seus primos primatas, tanto em busca de semelhanças quanto de diferenças. Esta sede de comparação não pode ser limitada às características físicas e, nos últimos anos, a pesquisa sobre os macacos tem alargado consideravelmente seus horizontes. Os primatólogos cooperam, de fato, com pesquisadores provenientes de variadas disciplinas. Três estudos recentes ilustram perfeitamente esse fenômeno e produziram resultados surpreendentes.

Quantificar a sociabilidade dos primatas

Cédric Sueur é conferencista sênior no Instituto pluridisciplinar Hubert-Curien[1], onde estuda a sociabilidade e as redes sociais em diferentes grupos de animais[2]. Ele supervisionou um estudo sobre os critérios que têm mais impacto sobre a eficiência das redes sociais dos primatas. Setenta e oito grupos provenientes de vinte e quatro espécies diferentes foram estudados.

“Nós quantificamos a eficácia destas redes sociais por meio da velocidade com a qual as informações circulam no seio de um grupo, explicou Cédric Sueur. Se trata de um dado teórico, baseado sobre casos concretos, como a maneira com a qual um grupo reage quando um indivíduo tenta iniciar um movimento coletivo, ou a velocidade com a qual um comportamento cultural se espalha dentro de um grupo”.

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Chimpanzés em uma sessão de despiolhamento. J.-M. KRIEF/MNHN.

O estudo mostrou que os grupos menos hierarquizados, que incluam menos indivíduos e cuja porção relativa ao neocórtex é a mais importante, possuem as redes sociais mais eficientes. Quando estabelecemos uma classificação em função do escore de eficiência, muitos grupos de chimpanzés, nos quais o neocórtex é muito desenvolvido, se encontram no alto da lista. Observamos, contudo, uma grande variabilidade no interior de cada espécie, porque é também um outro grupo de chimpanzés que exibe a mais baixa eficiência.

“Ainda não está claro o que provoca estas diferenças, admitiu Cédric Sueur. Contudo, todos os grupos de macacos não estão submetidos às mesmas pressões ambientais e sociais. Um grupo é uma soma de individualidades cujo equilíbrio pode mudar drasticamente em função de uma única personalidade forte”.

A semântica dos cercopithecus

A ligação entre desenvolvimento do neocórtex e eficiência social do grupo cresce tardiamente com relação à maneira com a qual os macacos comunicam entre si. Se o termo linguagem deve ser empregado com precaução, é possível utilizar as ferramentas derivadas da linguística para estudar nossos primos. Philippe Schlenker, diretor de pesquisa no Instituto Jean-Nicod[3], e Emmanuel Chemla, do Laboratório de Ciências cognitivas e psicolinguística[4], assim estudaram os sentidos dos gritos de alarme utilizados pelo Macaco de Campbell (Cercopithecus campbelli), um ceropithecus africano. O trabalho foi efetuado em colaboração com os grupos de primatologia de Klaus Zuberbühler e d’Alban Lemasson[5].

“No estágio de nossos conhecimentos, a sintaxe simiesca permanece assaz rudimentar, explica Philippe Schlenker, mas os primatólogos puderam descrever em 2009 duas regras para o macaco de Campbell. Certas sequências começadas por “boom boom” indicariam situação que não implicaria predadores, enquanto que o sufixo “oo” é acrescentado a certos gritos de alarme para atenuar a importância”.

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Macho Campbell no Parque Nacional Taï, na Costa do Marfim. A. CANDIOTTI/UNIVERSITE DE NEUCHATEL.

Duas populações de cercopithecus foram estudadas: uma vive na floresta de Taï, na Costa do Marfim, a outra na ilha de Tiwai, em Serra Leoa. Nos dois casos, o grito “hok” serve para alertar sobre a presença de uma águia. “Krak” previne os macacos da floresta da chegada de um leopardo, mas, como este felino é ausente da ilha de Tiwai, os macacos da insulares utilizam-no para todos os tipos de perigo. Atenuado por “oo”, “hok” torna-se “hok-oo” e vai designar uma ameaça vinda do céu, a qual pode ser menos grave do que a presença de uma águia.

O fato de que “krak” tem um sentido diferente segundo o grupo sugere a existência de dialetos distintos. Uma análise mais detida permitiu aos pesquisadores propor uma outra hipótese explicativa. Nas duas populações, “krak” designa um perigo geral, mas, este sentido pode ser reforçado por um mecanismo de competição com outros gritos mais informativos.

Assim, na floresta Taï, “krak” é empregado para designar um pergio que não é nem menor – “krak-oo” seria utilizado –, nem aéreo – “hok” teria sido preferido. No fim das contas, obtiveram uma designação a qual se aplica bem aos leopardos da floresta Taï. Como estes predadores estão, em contraste, ausentes da ilha de Tiwai, esta regra de reforço dará lugar a um sentido inútil e não será mais aplicada.

Os macacos que são cultivados

Os pesquisadores apontam ao longo dos estudos que pode se tornar problemático basear-se em conceitos muito humanos para referir-se aos macacos. Num sentido mais amplo, podemos ainda assim falar sobre cultura em primatas, fora as transmissões relacionadas às ferramentas? Para Nicolas Claidière, a resposta é sim. Os trabalhos desse pós-doutorando no Laboratório de Psicologia Cognitiva[6], são diretamente inspirados de uma experiência sobre a transmissão cultural entre os humanos[7].

Em um primeiro estudo realizado por outra equipe, um grupo de voluntários humanos deveriam aprender as palavras em um dialeto artificial criado aleatoriamente pelo computador. O próximo grupo aprende em seguida o idioma utilizado pelo primeiro grupo, cometendo alguns erros, então o terceiro grupo, aprende do segundo grupo como uma brincadeira de telefone sem fio. Durante essas transmissões, a linguagem se tornou mais fácil, mais estruturada e original. Mas estas correspondem às três propriedades de transmissão da cultura humana: um aumento progressivo da performance, a emergência de estruturas e a aparição de especificidades ao longo das linhagens.

Nicolas Claidière e seus co-autores testaram a existência dessas três propriedades em primatas não humanos. Ao invés de utilizar a linguagem, eles confiaram tarefas de memorização aos babuínos. Um computador os oferece dezesseis quadros brancos, enquanto quatro estão piscando.  Se o macaco se apoia nesses quatro quadrados, ele é recompensado. Assim como nas experiências com humanos, o segundo macaco deve memorizar os quadrados tocados pelo primeiro, e assim por diante. “Em regra geral, os pesquisadores se interessam no sucesso dos animais”, explica Nicolas Claidière, “mas nós olhamos os erros bem de perto porque as respostas erradas não são aleatórias: elas evidenciam como o cérebro responde à tarefa”.

Aos poucos com as transmissões, as combinações terminam, se estruturando e tomando cada vez mais a forma de tetraminós. Esses dispositivos eletrônicos variam de quatro quadrados consecutivos, como são os blocos do jogo de Tetris. Essas são as estruturas mais fáceis de se realizar para os babuínos, e que melhora o seu desempenho. Finalmente, os babuínos se tem concentrado em um número limitado de tetraminós diferentes, que se tornam específicos a cada grupo. Então, nós recuperamos os três critérios da cultura presentes na experiência anterior.

Esse trabalho mostra que a experimentação animal por um lado não é sinônimo de vivissecção, por outro lado é uma obrigação, se quisermos compreender o que as sociedades humanas têm de específico, e o que elas tem dessa herança “primata”. Os grupos de primatas revelam os mecanismos sociais mais ricos do que aqueles mecanismos nos quais tentamos ver o nosso reflexo. Um espelho fascinante, mas que deve ser lidado com uma precaução totalmente científica.

Notas

1. Unidade CNRS/Univ. de Strasbourg.
2. «Social networks in primates : smart and tolerant species have more efficient networks», C. Pasquaretta et al., Scientific Reports, vol. 4 (7600), 23 décembre 2014.
3. Unidade CNRS/ENS/EHESS.
4. Unité CNRS/ENS/EHESS.
5. «Monkey semantics: two “dialects” of Campbell’s monkey alarm calls», P. Schlenker, E. Chemla et al., Linguistics and Philosophy, décembre 2014, vol. 37 (6) : 439-501.
6. Unidade CNRS/Aix-Marseille Univ.
7. «Cultural evolution of systematically structured behaviour in a non-human primate», N. Claidière et al., Proceedings of the Royal Society B, 5 novembre 2014.

Fonte/Traduzido de: CNRS Le Journal

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