Os Mármores de Elgin, o Partenon, e o Museu Britânico

Por Gabriel B Peixoto

Tem se ouvido recentemente na mídia internacional que os Mármores de Elgin finalmente voltariam para casa depois de mais de 200 anos afastados. Mas o que são esses “mármores”, quem foi esse famigerado “Elgin”, e como os primeiros voltariam para “casa”?

Primeiro, temos que falar sobre o Partenon e a Grécia antiga. Alguns anos depois das Guerras Persas que destruíram muitas cidades gregas, inclusive Atenas, as poleis tiveram que reinvestir em grande proporção na reconstrução de muitos edifícios derrubados, na revitalização dos que sobraram, ou na construção daqueles irreparáveis. Os atenienses, então, começaram em 447 a.E.C., a construção de um grande templo octostilo (oito colunas nos lados menores) dedicado à deusa padroeira da cidade: Atena Parthenos (a Pura). Concluido 15 anos depois, em 432 a.E.C., esse grande templo tornou-se famoso pela sua exuberância escultórica externa, mas, sobretudo, pela magnifica estátua de culto criselefantina (de ouro e marfim) em seu interior feita pelo aclamado escultor Fídias.[1]

Fig.1: Reprodução da estátua criselefantia em Nashville, Tennessee (EUA). Photograph by Dean Dixon, Sculpture by Alan LeQuire, FAL, via Wikimedia Commons

Ao passar dos anos esse grande templo começou a ser referido como Partenon. Atualmente, o que nos resta na Acrópole ateniense é o resultado, um palimpsesto, de diversas transformações que preservaram, mas também destruíram o templo. Por exemplo:

  • no séc. II E.C.: o imperador romano Adriano coloca ao lado da estátua de culto de Atena uma estátua sua.
  • no séc. III E.C.: houve um grande incêndio e o teto desabou, tornando-se irreparável.
  • no séc. VI E.C.: ocorre a conversão do templo para uma igreja cristã. Com isso, derrubou-se o centro da face leste do templo, perdendo então o grupo central deste lado. Esse evento que, por um lado ajudou a manter a estrutura do templo viva e conservada, iniciou também o iconoclasmo de suas esculturas.[2]
  • no séc. XII e XIII E.C.: igreja transformada em catedral.
  • no final do séc. XV E.C.: conversão do templo cristão para uma mesquita – devido ao início do domínio Otomano nas terras gregas.
Fig. 2: Uma aquarela feita em 1765 por William Pars mostrando a mesquita dentro do Partenon. Foto retirada do British Museum.
  • Em 1674 E.C.: um artista desenha as esculturas em grande detalhe. Desenhos conhecidos como os “Desenhos de Carrey”.[3] Esses são fundamentais para o estudo das esculturas do templo pelo que vem adiante.
  • Em 1687 E.C.: Atenas Otomana é cercada pelos Venezianos. Os defensores são encurralados na Acrópoles, que se torna um verdadeiro forte defensivo, quando o pequeno templo Jônico de Atena Nike é transformado num bastião, e o Partenon, então mesquita, é utilizado como um galpão de munição e pólvora. O general veneziano Francesco Morosini manda bombardear o antigo santuário, edifícios inteiros são destruídos e estátuas são reduzidas à pó. Morosini então tenta retirar as sobreviventes estátuas que caiem e se quebram no chão, o general então desiste, e em 1689, os Otomanos retomam a posse de Atenas e começam a vender pedaços das estátuas para estrangeiros.

Agora chegamos ao ponto dessa singela reportagem. No início do séc. XIX E.C., o barão inglês conhecido como “Lorde Elgin” retirou muitas esculturas do templo de Atena Partenos, sobretudo as da parte de trás (Oeste) do templo, assim como grandes pedaços do friso. A “recolha” ou puro saque não se resumiu apenas no Partenon. Outros templos da Acrópole de Atenas, como o Erechtheion e o templo de Atena Nike, também foram roubados de suas decorações. Além da descuidada remoção, os trabalhadores tiveram que “escalpelar” grandes porções dos templos, por exemplo, o friso que foi esculpido em baixo-relevo num grande bloco de mármore, foi serrado e retirado somente a escultura – mais um dano irreversível ao templo. Dentre um dos espólios mais famosos levados ao Reino Unido é uma das Cariátides, as famosas damas-colunas, do Erechtheion, retirando uma das seis.

Fig. 3: As 5 Cariátides no Museu da Acrópole, a que falta está no Museu Britânico. Foto de Discover Greece.

Lorde Elgin, depois do seu saque seletivo, manda transportarem as estátuas de volta para seu palacete na Escócia, contudo, o aristocrata acabou ficando falido e foi obrigado a vender as esculturas ao Museu Britânico (British Museum). No museu, as esculturas foram expostas na chamada “Sala de Elgin” de maneira aleatória, não respeitando o contexto nem a disposição original das estátuas.

Fig. 4: Pintura de Archibald Archer feita em 1819 da “Sala de Elgin”. British Museum, Public domain, via Wikimedia Commons

A legalidade das trocas/compras entre Elgin e os oficiais Otomanos é altamente contestada. Atualmente, por muitos, inclusive pelo presente autor, o ocorrido pode ser entendido como saque em primeira mão. Foi uma troca obscura feita entre um embaixador de um Império colonialista e os guardas do invasor Otomano. O estado grego tomaria independência e autonomia dos Otomanos somente 15 a 20 anos depois dos saques de Elgin. Formalmente, desde os inícios do o governo autonomo grego, em 1835, os helénicos pedem o retorno dos mármores, sempre sendo rejeitados pelos trustees do Museu Britânico.

Para alguns, como Ian Jenkis, ex-curador do Museu Britânico, Elgin salvou os destroços que era o Partenon, alegando que a destruição era iminente e que o Lorde inglês ajudou com a conservação do patrimônio histórico. Outro ponto que alguns britânicos alegam é a falta de estrutura dos museus gregos, e que as estatuas estariam ameaçadas ao desgaste e à erosão nesses museus ditos “inferiores”. Mais lenha foi jogada na fogueira quando tornou-se público novamente que a sala das esculturas gregas no Museu Britânico estaria com diversas goteiras, como noticiado aqui e aqui. A posição do Museu permanece a mesma, de uma alegada colaboração do espírito acadêmico.

Aqui você encontra a posição oficial do Museu Britânico.

A discussão retomou ao olhar público quando o atual primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, declarou que se re-eleito para o cargo ele trará de volta os mármores. Há cerca de 15 anos, o novo e state-of-the-art Museum da Acrópole foi aberto ao público, da onde das janelas se observa o Partenon.

Fig. 5: Fotografia tirada de dentro do Museu da Acrópole, com as estátuas pedimentais do Oeste à direita, ao fundo a Acrópole e o templo de Atena Partenos. Foto retirada do Greek Reporter

Alguns exemplos são até cómicos se não fossem trágicos. O torso de Poseidon, que um dia decorou o frontão Oeste do Partenon, e inseria-se no centro da composição encontra-se partido, e cada pedaço está em um museu diferente.

Fig. 6: À esquerda, o pedaço do abdómen que restá no Museu da Acrópole; à direita,o resto do torso atualmente no Museu Britânico.

As conversas de repatriação de outras esculturas virou assunto quente quando o Papa Francisco anunciou que o Museu do Vaticano irá retornar três peças de volta à Atenas, noticiado aqui pelo New York Times.

Atualmente, conversa-se por algum tipo de acordo de empréstimos entre o Museu da Acrópole e o Museu Britânico, em que os mármores retornariam à Grécia por um determinado período por outras peças guardadas nos armazéns do Museu grego. Essa falsa “repatriação” já gera comoção entre os investigadores e o povo grego. Semelhante foi o caso ocorrido no final do último ano, com arte Cicládica saqueada que gerou muita repercussão – leia aqui.

Depois dessa breve apresentação do caso dos “Mármores de Elgin”, ou melhor, dos órfãos “Mármores do Partenon”, qual é a sua opinião? Os gregos devem aceitar um acordo de empréstimo do Museu Britânico? Se não, qual seria a solução ideal?

Para saber mais:

Jenkins, I. 2007. The Parthenon Pediments in the British Museum. London: The British Museum Press.

Korres, M. 1994. “The Parthenon from Antiquity to the 19th Century.” In The Parthenon: And Its Impact in Modern Times, edited by P. Tournikiotis, 136–61. Athens: Melissa Publishing House.

Palagia, O. 1993. The Pediments of the Parthenon. Monumenta Graeca et Romana 7. Leiden: Brill.


[1] Fídias, depois de seu sucesso com essa estátua e depois de conflitos com os atenienses, foi chamado para realizar a estátua de culto para o templo de Zeus em Olímpia. Essa estátua foi reconhecida ainda na antiguidade como uma das “7 maravilhas do mundo”, de tanto que era sua beleza. Nenhuma dessas duas estátuas perseveraram-se aos tempos, devido sobretudo ao grande valor dos materiais.

[2] Uma interessante nota é que uma das métopas, esculturas quadradas fixadas na entablatura entre tríglifos, foi poupada do fanatismo religioso pois aparentava representar a cena da Anunciação. O iconoclasmo destruiu as esculturas do frontispício e as métopas, poupando o friso.

[3] Termo referente à Jacques Carrey (pintor francês), mas sabe-se hoje que os desenhos não foram feitos por Carrey, mas sim por Arnould de Vuez.

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